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Nas encruzilhadas da vida, Sankofa nos chama

  • Foto do escritor: WR Express
    WR Express
  • há 5 dias
  • 3 min de leitura

Por: Julio Cesar Rodrigues

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✅ 26/11/2025 | 09:05


As encruzilhadas sempre foram apresentadas como lugares de encontro. São pontos

em que duas ou mais vias se tocam, e vias são caminhos, percursos, travessias. Não é por acaso que temos os Senhores dos Caminhos, porque caminho é sempre convite ao

movimento. E não importa de onde viemos ou para onde vamos, mas sim como escolhemos caminhar. Penso sempre na frase do Gato de Cheshire em Alice no País das Maravilhas: se você não sabe para onde quer ir, qualquer caminho serve. O problema é justamente esse. Sem direção, nos perdemos de nós mesmos.


As encruzilhadas carregam essa fama de serem lugares de dúvida, incerteza,

insegurança. E é natural que seja assim. Diante de múltiplas possibilidades, somos convocados a escolher. E escolher exige um gesto enorme de autoreflexão e, muitas vezes, doloroso: saber quem somos. Esse é o coração do texto de hoje. Para escolher um caminho, é preciso antes compreender o caminhante.


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O conhecer-se é um desafio ancestral. A filosofia já nos provoca há séculos a olhar

para dentro. A psicologia tentou nomear as camadas desse olhar. A antropologia nos ensinou que ninguém se conhece sem compreender os mundos que a atravessam. Aprender a olhar para si envolve reconhecer a própria trajetória. Olhar para trás, não como quem deseja retornar a um passado idealizado, mas como quem reconhece que esse passado existe, que é real, que moldou o que somos e que nos acompanhou até este ponto da jornada. Nenhum futuro se constrói sem memória. E toda memória é uma forma de presença.


Para nós, pessoas negras nas Américas, esse é um exercício ainda mais complexo.

Fomos arrancados de nossas origens, de nossas narrativas, de nossos registros familiares. O apagamento histórico não eliminou nossos ancestrais, mas obscureceu as trilhas pelas quais eles caminharam antes de nós. Ainda assim, eles seguem presentes em nossos corpos, nos nossos gestos, nas nossas práticas, nas nossas intuições, naquilo que não sabemos explicar, mas sabemos sentir.


É nesse ponto que Sankofa se torna essencial. Sankofar é o ato de buscar no passado

a sabedoria necessária para seguir adiante. É aprender a olhar para nós através daqueles que vieram antes. Pelos nossos mais velhos, pelas nossas mães e pais carnais, pelos nossos guias espirituais na Umbanda, pelos nossos Orixás, Voduns e Minkisi, pelas nossas comunidades, pelos nossos pares que caminham ao nosso lado. Cada história compartilhada é um fragmento de herança. Cada conversa é um aprendizado coletivo. Cada gesto de cuidado é uma lição transmitida de geração a geração.


E é nesse olhar que nasce a ideia do desencontro. Às vezes precisamos nos desencontrar de certezas rígidas, de imagens antigas de nós mesmos, de expectativas alheias que carregamos sem perceber. Se desencontrar para poder se encontrar de forma mais verdadeira. Permitir-se a dúvida, acolher a insegurança, encarar o espelho com gentileza e não com cobrança. Reconhecer que a encruzilhada não exige pressa. Ela exige sinceridade.


Caminhar é inevitável. Os caminhos existem e estão diante de nós. Mas quem não

escolhe, já fez uma escolha. Por isso precisamos aprender a desacelerar. Parar. Respirar. Olhar para trás sem vergonha, sem medo, com coragem e afeto. Honrar tudo o que já trilhamos até aqui, inclusive os erros, os tropeços, as pausas. Tudo isso nos trouxe até este ponto. Tudo isso faz parte de quem somos.


As encruzilhadas estão sempre abertas. Elas não desaparecem quando hesitamos.

Continuam ali, pacientes, nos esperando. E quando reconhecemos nossa ancestralidade, quando escutamos as vozes que nos guiam, quando entendemos nossas próprias histórias, então os caminhos começam a se iluminar. Talvez não fiquem completamente claros, mas ganham contornos suficientes para que possamos dar o próximo passo.


Que possamos escolher bem. Que possamos escolher com calma. Que possamos

escolher com afeto. Porque escolher é também uma forma de honrar aqueles que

caminharam antes de nós. E é, sobretudo, a maneira mais bonita de seguir adiante.



Julio Cesar Rodrigues - AxéNews

Julio Cesar Rodrigues

Julio é administrador com sólida carreira executiva em marketing e branding, tendo atuado em setores como moda, varejo, educação, publicidade, telecomunicações e TV, onde ocupou posições de liderança em empresas de referência. É doutor e pós-doutor em Psicologia Social, pesquisador sobre comportamento de consumo e produção de subjetividades contemporâneas, com ênfase em estudos de gênero e masculinidades... [+ informações de Julio Cesar Rodrigues]  



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|| Artigo de Opinião: texto em que o(a) autor(a) apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretações de fatos, dados e vivências. ** Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do AxéNews.

 
 
 

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