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Por um Projeto Político-Pedagógico Multicultural

  • Foto do escritor: WR Express
    WR Express
  • 7 de nov.
  • 5 min de leitura

Por: Gisele Rose

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07/11/2025 | 15:33


A construção de uma “história outra” não seria apenas uma questão de cumprimento de uma lei federal, mas sim tem o foco na desconstrução de paradigmas promovendo a afirmação da diversidade, pois:


O conhecimento é um elemento-chave na disputa e na manutenção da hegemonia. Sem dúvida, o estabelecimento do discurso filosófico ocidental como régua privilegiada do pensamento institui uma desigualdade epistemológica. Uma injustiça cognitiva que cria escalas, classes para o pensamento filosófico, estabelecendo o que é mais sofisticado e o que é rústico e com menos valor acadêmico. Essa injustiça cognitiva é capaz de definir status, formar opinião e excluir uma quantidade indefinida de trabalhos intelectuais. Nossa leitura é que o racismo é um elemento decisivo para o entendimento do epistemicídio e seus efeitos ((NOGUERA, 2014, p. 23).


A representação, a valorização e reconhecimento cultural e participação equitativa e igualitária nos diferentes níveis e espaços sociais ainda estão aquém do ideal, compreendendo que a população negra e indígena e suas culturas, ainda são vítimas de injustiças que precisam ser eliminadas. É necessário então, adotar práticas e políticas que visem eliminar a ideologia preconceituosa e racista da sociedade, com base nestes fatores:


Vale a pena registrar que uma especificidade do racismo antinegro é a desumanização radical que se transforma em zoomorfização sistemática. Os povos negros foram interpretados pelos europeus como criaturas sem alma, animalizados, tomados como coisas. O eurocentrismo dividiu os seres humanos em raças e desqualificou todos os povos não europeus; mas isso incluiu algumas gradações. E, sem dúvida, os povos africanos foram designados pelo eurocentrismo como os menos desenvolvidos. A zoomorfização sistemática desses povos foi um elemento decisivo para embasar a escravização negra. Para os europeus os negros eram bárbaros, incivilizados e, portanto, sem “filosofia” (NOGUERA, 2014, p. 25).


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Dito isto, a relevância de um projeto político-pedagógico multicultura se dá através da possibilidade de compreender a formação curricular que proporcionem um giro epistêmico na construção de saberes, onde consideramos que existiu um suporte ideológico que exaltou a força e a inteligência dos brancos e criou uma lacuna na construção das identidades negras (SILVA, 2021), compreendendo que as perspectivas históricas e geográficas da construção do ser negro são diferentes.


Com base nesta discussão pensar sobre o engessamento do currículo se assemelha com as estratégias de aprisionamento do corpo-território, visto que ambos são forjados a partir das relações de poder (MIRANDA, 2020).


Pensar sobre o destaque do valor da experiência como fonte e possibilidade de produção de outros saberes, é uma alternativa para dar visibilidade a práticas, ações e atuações que ao longo do tempo foram invisibilizadas.


Ao inserirmos o multiculturalismo no debate histórico sobre educação, colocamos em prática múltiplas ações (de natureza filosófica, política, acadêmica e também pessoal), pois optamos politicamente pelo bem-viver e pelo combate ao racismo e às desigualdades.


Academicamente, há ganhos reflexivos tanto para os educadores, quanto para os educandos, que acessam novas possibilidades analíticas. E há, ainda, o ganho pessoal no que diz respeito a autoestima de estudantes negros e negras, que podem vivenciar uma outra forma construção político-pedagógica, pois:


O Projeto Político-Pedagógico é um documento importante que norteia as ações da escola por meio do processo de mediação democrática, fins importantes de alcançar a educação para a cidadania. A escola enquanto instituição tem a função essencial de educar o cidadão, tendo em vista, a sua atualização histórico-cultural, visando à apropriação da cultura humana a partir de princípios e valores democráticos.

Assim, para que a educação se efetive com qualidade, de forma democrática e com respeito a diversidade é necessário a participação de todos os segmentos da escola com responsabilidade e consciência ética. Nesse sentido, o Projeto Político-Pedagógico é uma ferramenta importante de organização e direcionamento de todos os fazeres da escola, tendo como objetivo primordial a difusão do saber sistematizado (GONÇALVES, 2015, p. 6140).


Neste contexto os projetos político-pedagógicos das instituições de ensino precisam ressaltar às ausências históricas das discussões sobre as relações étnico-raciais combatendo invisibilidades, seguindo em direção ao reconhecimento e promoção dos saberes específicos construídos ao longo da nossa vivência social, cultural e política, oferecendo aos docentes e discentes uma outra perspectiva pedagógica e educativa – gerando consequências benéficas nas relações interpessoais. Afirmamos sempre que nossa luta é em prol da memória e contra o esquecimento pois incentivar o debate sobre as relações étnico-raciais e pensar currículos que tratem da temática são iniciativas que devem constar nos projetos político-pedagógicos, pois esse é o documento que reúne propostas das ações que serão executadas durante um determinado período de tempo.


O Projeto é político por considerar as instituições de ensino como um espaço de formação de cidadãos conscientes, responsáveis e críticos, que atuarão individual e coletivamente na sociedade, modificando os rumos que ela vai seguir. É também pedagógico porque define e organiza as atividades e os projetos educativos necessários ao processo de ensino e aprendizagem, pois:


Estudar não começa na mente, começa na pele. Estudar é enamorar-se, não é uma descoberta por afinidade, nem feita de boa-vontade; depende de um encontro com alguma coisa que nos force a pensar, precisa ser produzido, conquistado, desejado em uma sala de aula. Um estudo é uma sala de encontros com matérias, objetos, conteúdos, coisas, ideias, pessoas, mas também de encontro com entidades e movimentos (NOVIKOFF e CAVALCANTI, 2015, p. 101).


Vale ressaltar que ainda hoje, estas instituições possuem um currículo eurocêntrico, ou seja, que valorizam em demasia os valores europeus e que não contemplam a realidade de boa parte da população brasileira, neste cenário, instauram-se as relações de poder que visam legitimar o que deve ou não ser (reproduzido) na formação das crianças, jovens e adultos (MIRANDA, 2020). Nos cabe então, considerar a necessidade da inserção dos valores civilizatórios afro-brasileiros no currículo da educação básica, dentro de uma perspectiva educacional, intensificando ainda mais o debate sobre as relações étnico-raciais.



Referências

MIRANDA, Eduardo Oliveira. Corpo-território & Educação decolonial: proposições afro-brasileiras na invenção da docência. Salvador: EDUFBA, 2020.

NOGUERA, Renato. O ensino de filosofia e a lei 10.639. 1.ed. Rio de Janeiro: Editora Pallas, 2014

NOVIKOFF, Cristina; CAVALCANTI, Marcus Alexandre de Pádua. Pensar a potência dos afetos na e para a educação. Revista Conjectura: Filos. Educ., Caxias do Sul, v. 20, n. 3, p. 88-107, set./dez. 2015.

SILVA, Gisele Rose da. Azoilda Loretto da Trindade: o baobá dos valores civilizatórios afro-brasileiros. 1. ed. Rio de Janeiro: Metanoia, 2021.




Gisele Rose - AxéNews

Gisele Rose

Filósofa e escritora. Professora da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ). Mestra em Relações étnico raciais pelo Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET-RJ), Especialista em Energia e Sociedade no Capitalismo Contemporâneo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Graduada em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)...  [+ informações de Gisele Rose]  


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