II Conferência Livre dos Povos de Terreiro do Sul Fluminense: o axé que promove a justiça social e a liberdade religiosa
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Por: Jeferson Medeiros

✅ 16/10/2025 | 18:36
No dia 28 de setembro de 2025, no IFRJ Campus Volta Redonda, RJ, foi realizada a II Conferência Livre dos Povos de Terreiro do Sul Fluminense, que teve como tema o “Meio Ambiente e Sustentabilidade”.
Esta segunda edição consolidou a Conferência como um instrumento democrático e comunitário de formulação de políticas públicas para os povos e comunidades tradicionais de matriz afro-brasileira do Sul Fluminense.
Em 2023, quando realizamos a I Conferência, tínhamos como objetivo iniciar uma
articulação intermunicipal dos povos de terreiro do Sul Fluminense, abrindo diálogo direto com o poder público e com instituições de ensino superior. Como resultado, seu relatório destacou eixos prioritários como memória e saber, direitos e gestão pública e reconhecimento dos terreiros como patrimônio cultural (Lei Municipal nº 6.643/2025, de Volta Redonda).
A partir desse precedente, a II Conferência ampliou os eixos e a representatividade, promovendo um encontro que reafirma o protagonismo dos povos de terreiro na construção das políticas públicas ambientais, educacionais e culturais, sob o lema: “Sem folha, não há Orixá! O Povo de Terreiro como Guardião da Ecologia.”
A Conferência foi estruturada em mesas temáticas, grupos de trabalho e uma plenária final, com relatoria participativa. Foram disponibilizados materiais de apoio, formulários e folhas de contribuição, cujas propostas foram posteriormente sistematizadas em quatro eixos temáticos:
• Direitos, Territórios e Cidadania;
• Ecologia Sagrada e Sustentabilidade;
• Educação e Enfrentamento ao Racismo Religioso; e
• Ancestralidade e Resistência Cultural.
Idealizada e organizada pela Comissão Mojubá, na qual figuramos como copresidentes, junto de Mãe Célia Morais, a II Conferência reafirmou o protagonismo dos pais e mães de santo como articuladores sociais e políticos. Essa realização demonstra que o Sul Fluminense é território de formulação política, apesar das dificuldades históricas enfrentadas por municípios do interior em acessar políticas públicas concentradas na capital e na região metropolitana.
Destacaram-se participações de lideranças religiosas, pesquisadores e gestores públicos como Dr. Luís Campos, Dra. Laura Ferrarez, Dra. Eliege Domingos, Jorge Fuede, Raone Ferreira, Anderson Azevedo, Marcela Braga, Pai Ramon D’Xangô, Mãe Rhani, Mãe Célia Morais, Iyá Juliana Guimarães e Taata Katuvanjesi.
A Comissão de Terreiros do Sul Fluminense – Mojubá vem se consolidando como um espaço estratégico de articulação entre o poder público, as comunidades tradicionais de matriz afro-brasileira e as instituições de ensino e cultura da região. Sua atuação tem sido fundamental para a institucionalização de políticas públicas inéditas em Volta Redonda, transformando pautas históricas de invisibilidade em ações concretas de reconhecimento, proteção e sustentabilidade.
Adiante, apresentamos as deliberações da II Conferência, as quais reafirmam o caráter estratégico das comunidades tradicionais na formulação e execução de políticas públicas. As propostas foram sistematizadas por eixos temáticos:
Eixo 1 – Direitos, Territórios e Cidadania:
• Criação de Observatórios Municipais dos Direitos dos Povos de Terreiro;
• Programas de capacitação para os Povos de Terreiro sobre gestão pública e execução de editais;
• Reconhecimento dos terreiros como patrimônio cultural e religioso;
• Estabelecimento de fóruns e rodas de diálogo permanentes;
• Manutenção das conferências em formato de roda de conversa.
Eixo 2 – Ecologia Sagrada e Sustentabilidade:
• Criação de hortas comunitárias e jardins sagrados com apoio público;
• Integração dos saberes de ervas medicinais às Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS);
• Proteção de locais de oferenda como áreas culturais de interesse ecológico;
• Parcerias com universidades para mapeamento etnobotânico e educação ambiental.
Eixo 3 – Educação, Cultura e Enfrentamento ao Racismo Religioso:
• Implantação da Lei 'Encontro com os Terreiros';
• Monitoramento da aplicação das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008;
• Inserção de conteúdos sobre religiões afro-brasileiras nos currículos escolares;
• Formação continuada de professores e gestores sobre cultura afro-brasileira e religiosidade;
• Intercâmbio entre NEABIs, universidades e terreiros.
Eixo 4 – Saúde Integral e Bem-Estar Comunitário:
• Criação de programa municipal de saúde integral dos povos de terreiro;
• Reconhecimento de práticas tradicionais de cura e cuidado;
• Parceria com Unidades Básicas de Saúde para atendimento humanizado;
• Implementação do disposto na Resolução 715/2023 do CSN, a qual dispõe sobre o reconhecimento das práticas de terreiro na promoção de saúde no âmbito do SUS.
Eixo 5 – Memória, Comunicação e Resistência Cultural:
• Criação de um Memorial Digital da Memória dos Povos Tradicionais de Terreiro do Sul Fluminense;
• Campanhas educativas e culturais contra o racismo religioso;
• Parcerias com arquivos públicos e secretarias de cultura para preservação e difusão dos saberes orais e visuais.
Desse modo, tendo em vista a mobilização social e os resultados obtidos como proposições, entendemos que a II Conferência reafirmou o caráter propositivo e participativo da sociedade civil. O reconhecimento das religiões afro-brasileiras como Patrimônio Cultural Imaterial é resultado direto do protagonismo das comunidades de axé, demonstrando que o interior também é espaço de formulação e inovação política.
A Conferência encerrou-se com a leitura e assinatura do Relatório Final e o compromisso de continuidade até 2027. O passo seguinte será a comunicação das propostas ao governo de todos os municípios do Sul Fluminense, a fim de que estas sejam verdadeiramente implementadas e que a relação entre povos de terreiro e Estado seja reconstruída à luz da liberdade religiosa, dignidade da pessoa humana e de todos os preceitos constitucionais que nos aproximam de uma verdadeira justiça social.
Um Estado democrático e justo é o que os povos de terreiro almejam. E o caminho escolhido para o alcance deste objetivo é trilhado com as bençãos dos orixás, entidades, encantados e de todas as divindades cultuadas nos terreiros. Nossos ancestrais nos guiaram até este ponto e continuarão nos guiando, encorajando e impulsionando para a realização de nosso compromisso por um Brasil mais diverso, plural e justo.
Por fim, desejamos que aconteçam mais conferências, encontros, trocas de saberes, afetos e estreitamento de laços. Ocuparemos espaços, nos manteremos neles, estaremos firmes e fortes nos propósitos de orixá. Merecemos respeito, reconhecimento e alcance de direitos e oportunidades. Axé!
Artigo escrito em colaboração com Pai Sid Soares.

Jeferson Medeiros
Mestrando no Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito na Universidade Federal Fluminense (PPGSD). Pós-Graduado em Direito Aplicado aos Serviços de Saúde (UCAM). Integrante do Laboratório de Justiça Ambiental (LAJA-UFF), do Laboratório de Justiça, Ambiente, Cidades e Animais (LAJACA-UFF) e do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão Direito, Antropologia, Saúde e Religião (DIANSARE-UFF)... [+ informações de Jeferson Medeiros]
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