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A macumba cura

  • Foto do escritor: WR Express
    WR Express
  • 30 de abr.
  • 3 min de leitura

Por: deputada estadual Renata Souza (RJ)

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30/04/2025 | 16:03


Nossos ebós, banhos de ervas, rezas, chás e rituais curam


É preciso afirmar, com toda a força, que os terreiros são territórios históricos de resistência negra. São espaços vivos onde se luta, diariamente, contra o racismo religioso e os efeitos persistentes da violência colonial. Muito além de espaços de culto, os terreiros preservam modos de vida, transmitem filosofias, saberes e medicinas ancestrais que seguem curando, ensinando e fortalecendo o nosso povo. Modos de vida que alimentam e fortalecem a dignidade violentada pelo racismo.


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Sim, não há dúvida que as comunidades tradicionais de terreiro são espaço de cura. Costumo dizer e reafirmo que o candomblé é uma das filosofias do povo preto. Uma filosofia enraizada no cuidado com a natureza, no valor da folha, na força do rio, no axé da terra e zelo pela saúde de seus filhos e filhas. A natureza é Orixá, é divindade que nos habita e com quem aprendemos, desde sempre, a viver em equilíbrio. Nossos mais velhos e mais velhas nos transmitiram, por meio dos fundamentos da natureza, práticas de cuidado físico e espiritual que resistem e se recriam até hoje, mesmo diante das diversas formas de apagamento e perseguição. Nossos ebós, banhos de ervas, rezas, chás e tantas outras práticas e rituais curam.


Por outro lado, é o racismo religioso que nos adoece! Ele impacta, direta e profundamente, nossa saúde física, mental e espiritual. E quando esse racismo atravessa espaços como hospitais, postos de saúde e outros equipamentos públicos que deveriam acolher e cuidar, ele viola o direito mais básico: o de ser tratado com dignidade. Um hospital, por exemplo, deve ser um espaço seguro também para quem carrega nos fios de conta a proteção, a história e o pertencimento às suas tradições. Negar esse direito, nos constranger ou obrigar a retirá-los, é mais do que desrespeito. É violência institucional! É racismo religioso!


A persistência dessas violências direcionadas aos terreiros, contrariam políticas públicas como a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, que reconhece a importância dos saberes preservados nas comunidades de terreiro para a promoção da saúde complementar ao SUS. Também a Resolução nº 715/2023 do Conselho Nacional de Saúde, em sua orientação 46, afirma explicitamente que os terreiros e suas práticas são equipamentos complementares de cura e saúde. Essa é uma vitória construída com luta pelos povos de matriz africana. Por isso, é inadmissível que se use, ainda hoje, o argumento da ciência ou da laicidade para recuar em conquistas históricas, como no caso da recente revogação do decreto do prefeito Eduardo Paes, que enfraquece políticas voltadas à saúde da população de terreiro.


Não é mais possível aceitar esse tipo de retrocesso! No que se refere ao argumento do Estado laico, é necessário dizer: só nos serve se for um instrumento de garantia de direitos e não mais uma desculpa para invisibilizar ou até mesmo perseguir as tradições de matriz africana.


Os nossos terreiros são espaços de promoção da saúde e cura. Seguiremos denunciando o racismo religioso, combatendo o ódio às nossas tradições, exigindo respeito aos nossos modos de existir e lutando pela efetivação de políticas públicas que garantam os direitos ao nosso povo de terreiro.



Jacqueline de Obá - AxéNews

Renata Souza é a deputada estadual mais votada da história da Alerj, autora da lei que institui o Abril Verde no estado e da lei que criou o Observatório Mãe Beata de Iemanjá sobre o Racismo Religioso. É co-organizadora, junto com Pai Dário, do livro Pedagogia do Axé: saberes e lutas dos povos de terreiro. Cria da Favela da Maré, é jornalista e doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Feminista negra, preside atualmente a Comissão da Mulher da Alerj.



Artigo de Opinião: texto no qual o(a) autor(a) expressa e defende suas ideias, interpretações e vivências sobre determinados temas. As opiniões aqui apresentadas são de responsabilidade do(a) autor(a) e compõem a diversidade de vozes que o AxéNews valoriza e apoia.


 
 
 

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