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Tecendo paz no tecido do tempo ancestral: produção de cuidado das casas de Axé

  • Foto do escritor: WR Express
    WR Express
  • 1 de ago.
  • 4 min de leitura

Por: Tati Brandão

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01/08/2025 | 08:42


No tear sagrado da nossa existência, os fios do tempo ancestral – nosso tempo – seguem firmes e vivos. Eles entrelaçam o que fomos, o que somos e o que seremos, tecendo sabedoria no meio das guerras de hoje. Você sente essa urgência no peito? Essa busca pela paz que vai além da política, que é fome da alma, enquanto o mundo geme em conflitos, crises e um medo que parece não ter fim.


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Este cenário de dor, sabemos bem, não é novo. Mas é nele que as Religiões de

Matriz Africana se erguem, nossas casas de axé, como faróis poderosos! Elas gritam

ao mundo o nosso jeito ancestral de cuidar, um modelo de acolhimento que é bálsamo

para a desesperança. Nos terreiros, ilés e roças, o tempo ancestral não é passado. É

presença viva, pulsante. É o abraço constante dos griôs, dos nossos velhos, daqueles

que guardam a memória no olhar. São eles, nossos orientadores, conselheiros,

portadores da sabedoria forjada nas estações da vida, nos conflitos e na teimosia de

existir, que nos ensinam: a guerra não é novidade. Ela é ferida antiga, eco persistente

do desequilíbrio, do desrespeito às leis da vida, da ganância que esquece o outro, que

rasga o tecido comunitário.


As guerras de hoje, e tantos outros conflitos que o mundo insiste em não ver –

em nos fazer invisíveis mais uma vez –, são reflexos amargos de histórias ancestrais

de disputa. Veja a tecnologia: usada não para nutrir a vida encantada, mas para

alimentar a morte desencantada. Isso amplifica nossas dores coletivas, semeia

impotência e um futuro incerto que pesa na alma.


É justamente aqui, no olho do furacão, que o cuidado espiritual das nossas

casas se revela. Ele não é apenas importante; é raiz, é fundamento. É tecnologia

ancestral sofisticada, presente nos toques, nas folhas, nas cantigas, voltada para o

Cuidado Integral da Alma-Matéria (una). É o culto aos Orixás, voduns e inquices que

nos religa às nossas linhagens sagradas, que reacende em nós o sentimento de

quilombo – de comunidade forte – e nos conecta ao próprio cosmos. Isso é resistência

ativa! Enfrenta o desraizamento, cura o apagamento histórico. No meio do caos,

nossas casas são porto seguro dos nossos corações, guardiãs da cultura afro-brasileira

e africana.


Sinta o poder dos nossos rituais: as oferendas que dialogam com o invisível, os

banhos que lavam a alma e revigora o corpo, as cantigas que elevam e consolam, os

pontos que chamam força, as danças que expressam o que palavras não dizem, as

consultas que iluminam caminhos. São ferramentas poderosas dadas pelos mais

velhos para aliviar o peso da ansiedade, erguer a cabeça na depressão, fortalecer o

ânimo, elevar a autoestima, afastar as energias pesadas que tentam nos derrubar. O

terreiro é lugar de escuta profunda, de atenção espiritual que acolhe sem julgar, de

busca pelo autoconhecimento, equilíbrio interior. É uma rede de apoio mútuo,

comunidade que sustenta. É reconexão sagrada com a Mãe Natureza, fonte de toda

força.


A sabedoria dos antigos, herdada e vivida, guia nossas decisões diárias. É ela

que tece a paz no microcosmo de cada casa de axé, seja de qual nação for. Porque

sabemos, no profundo do ser, que a espiritualidade não se separa da vida concreta. Ela é o alicerce para construir uma paz interna – essa fortaleza dentro de nós – e uma paz externa, num mundo dilacerado por guerras visíveis e pelas invisíveis que também machucam, e por uma crise profunda de sentido.


Portanto, este cuidado espiritual que brota dos terreiros, que é herança direta

dos pés descalços sobre a terra sagrada, não é luxo. Jamais foi. É necessidade

urgente, profunda, insubstituível. É o remédio ancestral para diminuir o nosso

padecimento e trazer o equilíbrio que tanto precisamos – individual e coletivamente. É o axé que circula, que fortalece, que cura as feridas do tempo e as dores do agora.


Nos momentos de maior turbulência, quando o mundo parece desmoronar,

lembremo-nos: temos um chão firme sob os pés. Temos o abraço dos nossos

ancestrais nos ventos, a sabedoria dos mais velhos ecoando nos atabaques, a força

dos Orixás vibrando no nosso sangue. Temos a comunidade, o quilombo espiritual que nos acolhe. Sigamos tecendo paz, fio a fio, ritual a ritual, passo ancestral a passo

presente. Porque a paz que buscamos para o mundo começa dentro de cada um de

nós, nutrida pela fonte inesgotável do nosso sagrado, pelo Axé que nunca nos

abandona.


Àṣẹ, irmãs e irmãos! Àṣẹ, nosso povo! Que o fio da paz nunca se rompa em

nossas mãos.



Tati Brandão - AxéNews

Tati Brandão | Professora

Escutante de Infinitos

Umbandista, me considero uma Nova Preta Velha através do meu cotidiano de 45 anos em aprendizado com as Pretas e Pretos Velhos da Tenda Espírita Santa Catarina. Professora e Doutoranda em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social pela UFRJ.  |  Conselheira e Coordenadora do Núcleo de Estudos, Saberes e Pesquisa do Instituto Josefinas | Meus campos de interesses são: Ancestralidades Negras, Saúde, Mulheres Negras, Espiritualidade e Liderança Afetiva. [+ informações de Tati Brandão] 


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Artigo de Opinião: texto no qual o(a) autor(a) expressa e defende suas ideias, interpretações e vivências sobre determinados temas. As opiniões aqui apresentadas são de responsabilidade do(a) autor(a) e compõem a diversidade de vozes que o AxéNews valoriza e apoia.


 
 
 

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