Marco Legal dos Povos Tradicionais de Matriz Africana: Educação Ambiental, Justiça e Preservação da Vida nas Unidades Tradicionais Territoriais
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Por: Olomidê Lessa

✅ 06/06/2025 | 08:39
Na Semana do Meio Ambiente, com referência ao Dia Nacional da Educação Ambiental (3 de junho) e o Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de Junho), refletir sobre a importância do Marco Legal dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana (POTMA) se torna um ato urgente e necessário. Esta reflexão é inseparável da compreensão sobre as Unidades Tradicionais Territoriais (UTTs), conceito fundamental para os povos tradicionais de matriz africana, definido no Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana (2013–2015), elaborado pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) em parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
As UTTs são muito mais do que espaços físicos ou religiosos. São territórios vivos de
saberes, de práticas culturais, espirituais, educativas, econômicas e ambientais. São
espaços que garantem a transmissão dos conhecimentos ancestrais, a proteção das
plantas medicinais, das águas, das florestas e, sobretudo, a reprodução dos modos de vida dos povos tradicionais de matriz africana. Como bem ensinava Makota Valdina, mulher que dá nome ao Projeto de Lei nº 1279/2022, o PL Makota Valdina: “Não quero que me respeitem apenas como religiosa. Quero que me respeitem como cidadã, como mulher negra, como alguém que tem uma história ligada a este país.”
Essa história está escrita nas UTTs, nas comunidades de terreiro, que são verdadeiras
escolas vivas de sustentabilidade, de resistência, de produção de conhecimento e de
cuidado ambiental. Elas exercem práticas de manejo sustentável da biodiversidade, de preservação das nascentes, dos solos, das florestas urbanas e periurbanas, sendo
fundamentais para o equilíbrio ambiental dos territórios onde estão inseridas. O relatório da ONU sobre biodiversidade (2019) reforça esse papel: “Os povos tradicionais e indígenas são os melhores guardiões da biodiversidade, protegendo 80% da biodiversidade restante no planeta.”
Portanto, quando falamos de educação ambiental, especialmente neste período, não
podemos deixar de reconhecer que ela precisa ser também educação para a valorização das Unidades Tradicionais Territoriais. São nelas que práticas de sustentabilidade, espiritualidade, alimentação saudável, manejo ecológico e cura ancestral se encontram e se atualizam. É fundamental compreender que não se trata apenas de ações isoladas como plantar árvores ou reciclar. A verdadeira educação ambiental é aquela que reconhece e valoriza os saberes ancestrais, as cosmologias e os modos de vida. O jurista Hédio Silva Jr. afirma de forma contundente: “Sem território, não há povo tradicional possível. As casas tradicionais de matriz africana não podem ser vistas apenas como templos religiosos, mas como unidades civilizatórias.”
Ao utilizarmos o termo Unidades Tradicionais Territoriais, ampliamos a compreensão do que são as chamadas comunidades de terreiro. Estes espaços não se restringem à
prática religiosa — eles são centros de preservação ambiental, de produção de saber, de soberania alimentar, de cuidado coletivo e de proteção das águas, das plantas e dos animais. A filósofa Sueli Carneiro lembra: “A preservação das culturas afro-brasileiras não é um favor que a sociedade faz aos negros. É a única chance de garantir a diversidade cultural e ecológica necessária para um futuro possível.”
O PL Makota Valdina não é apenas uma medida de reparação histórica — ele é,
profundamente, uma política de educação ambiental antirracista e de proteção dos bens comuns. Reconhecer juridicamente as Unidades Tradicionais Territoriais é garantir que esses povos possam continuar transmitindo seus saberes, protegendo os territórios e contribuindo para o equilíbrio ambiental não só das comunidades, mas das cidades, dos campos e do planeta.
Por isso, nesta Semana do Meio Ambiente e no Dia Nacional da Educação Ambiental,
afirmar o Marco Legal dos Povos Tradicionais de Matriz Africana é, simultaneamente, um ato de justiça social, de reparação histórica e de construção efetiva para se atingir, por exemplo, as metas previstas nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Defender as Unidades Tradicionais Territoriais é garantir a continuidade de práticas ancestrais que são, na essência, tecnologias sociais, ambientais e espirituais que contribuem de forma concreta para um planeta mais justo, saudável e sustentável, a fim de que sejamos capazes de olhar para esses territórios não como passado, mas como futuro possível e necessário para toda a humanidade.

Olomidê Lessa
Omobirin de Iemanjá e Oxum, pertencente ao povo Iorubá, nação Ketu e Juremeira. Especialista em Ensino de História da África e Educação Étnico Racial. Educadora Popular com licenciatura em Letras. Coordenadora Nacional de Comunicação do Fórum Nacional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (FONSAN-POTMA). [+ informações de Olomidê Lessa]
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Artigo de Opinião: texto em que o(a) autor(a) apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretações de fatos, dados e vivências. ** Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do AxéNews. |
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