Do silêncio à visibilidade: professora Joana Bahia interpreta o crescimento das religiões afro-brasileiras
- WR Express
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Atualizado: há 57 minutos
Segundo ela, essa visibilidade se intensificou a partir dos anos 2000

✅ 01/09/2025 | 05:51
Três meses após a divulgação dos dados do Censo 2022, que mostraram o crescimento do número de pessoas que se declaram umbandistas e candomblecistas, a antropóloga e professora titular da UERJ, Joana Bahia, analisa os números e o que eles revelam sobre mudanças sociais, culturais e religiosas no Brasil.
Segundo o levantamento do IBGE, as religiões de matriz africana ganharam mais representatividade em comparação com anos anteriores, refletindo um cenário de maior visibilidade pública. Para Bahia, esse crescimento está diretamente ligado a transformações educacionais, sociais e políticas que vêm ocorrendo desde o fim dos anos 1990.
“Há uma mudança social a partir da entrada nas políticas públicas educacionais e também participações em movimentos sociais. A campanha de Mãe Beata de Yemanjá, ‘Quem é do axé diz que é’, foi fundamental para estimular a declaração de identidade religiosa. Ao mesmo tempo, o racismo religioso também impacta a forma como as pessoas se assumem. Mas movimentos sociais, dias de combate à intolerância, mobilização, ativismo e políticas públicas tiveram peso decisivo nesse processo”, afirma.
A mídia e a representatividade
Entre os fatores que explicam o cenário atual, Joana Bahia destaca o papel da mídia e da cultura pop na legitimação pública das religiões afro-brasileiras.
“Ter pessoas públicas de grande projeção, como Anitta, rappers e artistas que trabalham com entidades, faz diferença. Hoje em dia, você fala de mediunidade na internet de uma maneira muito clara, e isso acontece sem mediação do terreiro, diretamente na produção midiática. Eu acredito que o papel da mídia começa muito fortemente a partir de 2000, com mudanças no campo da imprensa, e depois no campo midiático, e também muita entrada dos axés na representação de suas mídias. Mas o que é importante de representatividade cultural é você ter pessoas da religião que tenham essa visibilidade pública na mídia. Você ver um irmão com um fio de conta na televisão falando sobre um tema do trabalho dele, e essa representatividade é fundamental.”, afirma.

Segundo a antropóloga, essa visibilidade não começou na pandemia, mas se intensificou a partir dos anos 2000. “Você tem muitos eventos públicos da Kimbanda em diversos estados, várias festas, o calendário do Ifá no Rio de Janeiro, mais de 12 anos da Festa de Oxum, e tudo isso reverbera essa presença pública, que é significativa. Portanto, não se trata apenas da presença midiática, mas também das transformações públicas na cidade e da participação dessas pessoas. Destaco também o crescimento do Ifá, que se mantém presente em redes de ensino que existem há muito tempo. Acredito, portanto, que essa midiatização se intensificou a partir dos anos 2000; não consigo precisar exatamente as datas de cada forma de inserção na mídia, mas não é correto afirmar que começou na pandemia, isso seria equivocado”, pontua.
O Sul e o enraizamento do axé
Um dos pontos mais comentados do Censo foi o destaque do Rio Grande do Sul como o estado com maior taxa proporcional de praticantes de Umbanda e Candomblé. Para muitos, o dado surpreendeu, por se tratar da unidade federativa com maior proporção de brancos no país. Mas, segundo Joana Bahia, a leitura histórica mostra outro lado dessa realidade.

“O Rio Grande do Sul recebeu, em alguns períodos do século XIX, uma quantidade de pessoas escravizadas equivalente à do Rio de Janeiro e da Bahia. O Batuque se consolidou ali no século XIX, ao lado da Umbanda e da Quimbanda. Esse estado sempre teve uma população negra expressiva, embora historicamente invisibilizada, em parte pelo projeto de embranquecimento que incentivou a imigração alemã e italiana. Mas os quilombos sempre existiram, a presença negra sempre foi forte”, ressalta.
A antropóloga lembra que o Sul também teve papel estratégico na difusão das religiões de matriz africana para outros países do Mercosul. “Foi pela fronteira gaúcha que essas tradições religiosas chegaram à Argentina e se expandiram para além dela, inclusive durante a ditadura militar. Hoje, mães de santo falam espanhol, línguas africanas, circulam por diferentes países e ampliam a representatividade de grupos que ainda sofrem com invisibilidade. O cenário mudou bastante”, completa.
Complexidade e futuro
Para Joana Bahia, os números do Censo refletem não apenas o crescimento quantitativo, mas também um avanço qualitativo, relacionado à diversidade e à complexidade das religiões afro-brasileiras no país.
“O panorama hoje mostra um Brasil mais plural, com forte presença no Sul e Sudeste, mas também com articulações políticas nacionais. Movimentos sociais, dias de combate à intolerância, mobilizações e ativismo dentro do Congresso Nacional foram decisivos desde os anos 2000”, avalia.
Segundo a pesquisadora, é preciso romper com estereótipos que simplificam a realidade. “Temos que parar de pensar que a Bahia é o único centro religioso, porque a presença do axé é muito mais complexa e diversificada. O real nos mostra algo mais amplo, múltiplo, e isso está se refletindo agora nos números”, conclui.
"Então é isso, eu acho que é uma diversidade religiosa muito grande, temos um panorama de população diversificada, branca, parda e negra, além de uma concentração forte no sul e sudeste, principalmente Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo, e isso torna a religião mais complexa. Temos que parar de fazer associações achando que elas estão retratando a realidade. Na verdade, a gente se baseia em representações falsas sobre o real. O real está mostrando como ele é muito mais complexo do que a gente imagina. Hoje, mães de santo falam espanhol, línguas africanas e lutam por representatividade de grupos que ainda sofrem com a falta de visibilidade. O cenário mudou bastante", finalizou Joana.
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