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Vida e Morte: entre a brevidade e o sentido

  • Foto do escritor: WR Express
    WR Express
  • 26 de ago.
  • 7 min de leitura

Por: Mãe Lelê


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26/08/2025 | 07:01


“E a vida?

E a vida, o que é? Diga lá, meu irmão”

                                            Gonzaguinha


“Há quem fale que a vida da gente é um nada no mundo. É uma gota, é um tempo que nem dá um segundo”, já disse Gonzaguinha em sua poesia musical. A partir dessa afirmação, somos levados a pensar sobre a fragilidade da existência humana e a maneira como cada instante pode ser percebido: como um nada, ou como a possibilidade de tudo.


A vida, nesse olhar, se apresenta como algo breve, fugaz, comparável a uma gota d’água que, em meio ao oceano, parece perder sua importância. A metáfora aponta para o reconhecimento de nossa condição de finitude: diante da imensidão do universo e da eternidade do tempo, o percurso humano é realmente pequeno. A consciência dessa brevidade, entretanto, não deveria nos conduzir ao niilismo, mas ao contrário, à valorização dos instantes que compõem nossa trajetória.


Se o tempo de cada ser é tão curto, cabe ao sujeito transformar esse instante em experiência plena, em criação de sentido. A vida só é “nada” quando reduzida ao mero fluir cronológico, quando não é preenchida por relações, afetos, aprendizados e lutas. Assim, a morte, embora inevitável, não anula a vida; ela a delimita, e justamente por isso a intensifica. A finitude nos lembra de que cada gesto é irrepetível e cada escolha, única.


Viver, portanto, é confrontar essa contradição: somos finitos, mas buscamos eternidade; somos uma gota, mas podemos refletir o oceano. A morte, ao invés de um fim absoluto, pode ser compreendida como parte do ciclo que dá sentido ao viver. O instante da vida é pequeno, mas nele cabe a imensidão do humano.


Em síntese, a frase de Gonzaguinha nos provoca a repensar a existência não como “um nada no mundo”, mas como a oportunidade de construir significado dentro da brevidade. A gota pode ser frágil, mas ao cair no rio do tempo, transforma-se em movimento, em correnteza, em memória.


Gonzaguinha, em sua sabedoria cantada, nos oferece o contraponto luminoso:

“Viver e não ter a vergonha de ser feliz

Cantar e cantar e cantar

A beleza de ser um eterno aprendiz...”


Eis aí a resposta ao aparente vazio: se a vida é gota, que seja gota de luz; se é breve, que seja intensa; se é passageira, que seja feita de canto. A morte pode nos roubar o corpo, mas não leva a canção que deixamos ecoando na memória dos outros.


Na fragilidade da existência, está também sua força. Somos pequenos diante do universo, mas grandes na capacidade de reinventar o sentido. Cada dia é convite para aprender, para recomeçar, para insistir na beleza.


E por isso, ainda que a vida “devia ser bem melhor e será”, como insiste o poeta, não há razão para desistir de celebrá-la. Porque, apesar da dor, do limite e da morte, a vida continua sendo aquilo que é: bonita, bonita e bonita.


Toda essa reflexão é para honrar a memória de Sérgio Lopes, o Babalorixá Ogundahuncy. Ele abria o programa “Serginho com você” , na Rádio Tropical Web, todas as quintas-feiras, das 14:00 às 15:00 h com a música “O que é, o que é”, de Gonzaguinha. Programa em que tive a honra de ter sido convidada, por duas quintas -feiras seguidas, no início do ano de 2025, para participar.


Fico pensando que os caminhos da vida que trilhamos, vai nos preparando e conduzindo para o encontro com pessoas que marcarão significativamente a nossa existência, mesmo que de uma forma bem breve. Foi assim o meu encontro com Ogundaruncy. Peço licença, aqui, a todes que com ele tiveram uma relação estreita de amizade, afeto, irmandade... pra relatar o pouco tempo que com ele estive.


Um certo dia, ao abrir o YouTube, apareceu o documentário intitulado “Ogum do Portão”, produzido por Leandro Ribeiro, em 2023. Primeiro documentário produzido pelo AxéNews pautado na tradicional Festa Ogum do Portão, celebrado no Ilé Asé Imóle Alágbedé Oòrun Yeye ´Nla, localizado em Seropédica, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Foi a primeira vez que vi o Babá Sérgio de Ogundaruncy. Fiquei encantada com as explicações do Babá e muito aprendi com as informações dadas por ele; com o comprometimento de honrar o legado deixado pela mãe de sua mãe de santo; com as lembranças que a memória não apaga; e com a gratidão, a fé e a dedicação dele.


Impactou-me profundamente uma das fala ditas pelo Babá naquele documentário: “Ogum é meu sangue. Ogum é minha vida. E vou além: antes de eu abrir os olhos, Ogum já estava na minha vida.” É exatamente assim que sinto pulsar em mim a força deste Orixá, uma vez que também sou uma de suas filhas. Ouso até conjecturar que o início do meu nome tenha sido atribuído em homenagem a Ele, já que na Umbanda, a minha mãe “trabalhava” com Ogum Delê ou Ogum de Lei. Daí, Lei(zimar), uma nome um tanto incomum de se achar.


Os caminhos vão sendo construídos espiritualmente para o meu encontro com Ogundaruncy, em função de um a ideia de projeto de Leandro Ribeiro, em relação aos enredos das Escolas de Samba do Rio de Janeiro para o carnaval de 2025. Uma vez que no referido ano muitas agremiações trariam em seus enredos de temas ligados as religiões de matriz africana, seria pertinente o AxéNews abordar esta questão. Leandro e eu chegamos a conversar como poderíamos fazer para executarmos o projeto. Ele falou que iria chamar o Pai Sérgio Ogundaruncy, pois além de ser Babalorixá, era também um apaixonado por carnaval e que desfilava em várias Escolas de Samba. Outra identificação comigo: o samba, o carnaval, as Escolas de Samba. Leandro chegou a falar que iria marcar uma reunião nossa com o Babá. Entretanto, isso não chegou a acontecer devido a vários contratempos nossos. Através de Leandro, soube que o Babalorixá era também o responsável pela Casa de Luzia, um espaço cultural na Lapa, Rio de Janeiro. Lugar de resistência de nossa cultura preta.


O encontro com Ogundaruncy, entretanto, veio por outros caminhos traçados pelo nosso Pai Ogum. Uma médium da Casa da Jurema, Duda Bueno, ao dar uma entrevista em um programa na Rádio Tropical Web sobre carnaval, já que ela é carnavalesca, falou a meu respeito com a produtora da rádio, Luciana. Duda entrou em contato comigo para saber se poderia passar o meu contato para a Luciana e eu autorizei. A produtora me ligou e falou da entrevista para o programa do Serginho com você. A princípio, eu não relacionei o nome Sérgio Lopes ao Babalorixá Ogundaruncy. Ao ver a foto dele no card de chamada para o programa, deparei-me com aquele homem que havia me impactado no documentário e que era o mesmo de quem Leandro Ribeiro ficara de me apresentar para que trabalhássemos juntos. Estava claro para mim que o ocorrido não foi uma mera coincidência. Foram tramas dos nossos ancestrais, com certeza.


No Instagram da Casa da Jurema, @ casa_da_jurema, fizemos a divulgação da minha participação no programa Serginho com você. No dia 20 de fevereiro de 2025, quinta-feira, dirigi-me a Rádio Tropical Web para a entrevista. Fiz questão de usar um vestido africano para que marcasse bem a minha reverência ao meu povo preto.


Ao chegar, fui recepcionada pelo Babá Ogunrundacy com um caloroso abraço e um sorriso largo e contagiante. Nós olhamos e rimos muito por verificarmos que estávamos usando, sem combinarmos, vestimentas que remetiam ao povo africano, nossos antepassados. Conversamos rapidamente como seria a dinâmica do programa. Ao saber que a música que abriria o programa era “ o que é , o que é” de Gonzaguinha, a emoção tomou conta de mim, pois fez-me lembrar da minha saudosa irmã Prof.ª Dr.ª Ângela Maria da Costa e Silva Coutinho, a quem carinhosamente chamava de Nhanhãe. Relatei isso ao Babá e ele disse-me que com certeza ela estava ali junto conosco.


Falamos a respeito de minha trajetória na Umbanda; do respeito para com a religião; da história da Umbanda, que é um legado do povo preto, pois não é uma religião criada por um determinado homem branco com dia, mês e ano determinado; dá relação entre samba e macumba; do enredo que escrevi sobre Tata Tancredo com o título Tata Tancredo e os caminhos da Umbanda, para a Escola de Samba Banda Batistão, da cidade de Niterói. Como um bom repórter, Serginho deu a notícia em primeira mão que eu iria para Portugal no início de março ,para assistir as aulas no curso de doutorado. Também ganhei dele, neste dia, uma camiseta do bloco Republiqueta da Folia, com a foto do Sr. Machine, o síndico da Sapucaí. Porém, o tempo não foi suficiente para responder aos ouvintes e nem abordarmos mais questões. Então, ele me convidou para retornar na semana seguinte.


Terminado o programa ele me deu uma carona até a Cinelândia. A viagem foi agradabilíssima e com muitas risadas de ambos os lados. Ao descer do carro, pedi bênçãos e ele solicitou que eu o informasse, via wattssap, quando eu estivesse chegado a minha casa. Como ordem de pai é para ser obedecida, assim eu fiz.


Na semana seguinte, dia 27 de fevereiro, retornei ao programa. Retomamos a nossa conversa acerca da religião de matriz africana, respondi a algumas questões feitas no programa passado e debatemos a respeito da polêmica daquele momento acerca das fala do carnavalesco Paulo Barros, em relação ao número expressivo de enredos com temática para o carnaval 2025. Para quem é macumbeiro e sambista como nós, foi “um prato cheio”, conforme a fala popular. Mais uma vez, ele me deu e carona e durante o percurso, muitos causos, risadas e planos de eu ir ao Ilê. Quando desci do carro dele, novamente o pedido de informar quando já estivesse em casa. Pedi Bênçãos. Obedeci.


Peço, aqui, mais uma vez a bênção ao Pai Ogundaruncy e rogo a pai Ogum que vá na frente, abrindo os caminhos para conduzir nosso querido Babalorixá até o orun e que fortaleça a todes: familiares carnais e de santo, amigos, admiradores...




Yatemy Regina de Tobossy - AxéNews

Mãe Lelê

Mãe Lelê, Leizimar G. da Costa e Silva, está na Umbanda há mais de 50 anos. Foi consagrada como sacerdotisa de Umbanda no dia 23 de abril de 2011 no Centro Espírita São Jorge de Ronda, fundado em 1975 por sua mãe carnal, D. Lais, e também sua mãe na Umbanda. E sendo assim, valoriza o lugar de onde veio; lugar onde construiu a sua identidade e aprendeu a viver e a conviver com o sagrado de forma respeitosa e livre. [+ informações de Mãe Lelê]


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