Por: Adriano Cabral
20/10/2024 | 13:29
O conceito de vazio tem sido objeto de reflexão e contemplação ao longo da história da filosofia. O que é o vazio? Como compreendemos sua natureza e significado? Neste artigo, vamos explorar algumas perspectivas filosóficas sobre o vazio e considerar suas implicações para a nossa compreensão do mundo e de nós mesmos.
Em um primeiro olhar, o vazio pode ser entendido como a ausência de algo, a falta de conteúdo ou substância. É frequentemente associado à ideia de nada, de vazio absoluto, de ausência total de significado ou propósito. No entanto, será que o vazio é realmente uma simples negação do ser, ou será que ele tem uma essência própria, uma realidade que merece ser explorada mais profundamente?
Primeiramente precisa-se explorar a ideia de ser. Tudo aquilo que é, é algo e todo algo é ser. Logo, tudo aquilo que é, é ser. Sendo assim, tudo o que existe ou pode ser acrescentando em sua apresentação básica, tal verbo de ligação é, e poderá deixar de ser, diferente daquilo que não é, e poderá ser ou não. A ação de ser ou o ato de ser é o ente. Enquanto entes, são e só saber-se-á que é por pensar. A filosofia racionalista apresenta a máxima: “Penso logo, sou!” É por pensar que se sabe existir e compra-se tal existência ao duvidar do ato de pensar. “Enquanto duvido, jamais poderei duvidar de que duvido e isso comprova que a dúvida é indubitável. Só se é possível duvidar, aqueles que pensam, logo, o ato de pensar também é indubitável e assim, não posso duvidar de que duvido nem de que estou pensando enquanto duvido de algo.” O problema é: Em uma estrutura tão complexa da comprovação da existência do pensamento e do fato de não podermos duvidar de que pensamos e por isso não poder duvidar da existência por pensar, de onde vem o vazio existencial ou qualquer outro sentimento de vazio que se experiencia constantemente na sociedade?
Na tradição filosófica oriental, o vazio é frequentemente visto como uma realidade fundamental que permeia o universo. No budismo, por exemplo, o conceito de śūnyatā, ou vazio, desempenha um papel central na compreensão da natureza da realidade. O vazio não é apenas a ausência de algo, mas também a potencialidade de todas as coisas. É o espaço onde surgem e se dissolvem os fenômenos, a matriz primordial da qual tudo emerge.
Em contraste, na filosofia ocidental, o vazio muitas vezes é visto de forma mais
negativa, como um vácuo existencial, uma sensação de vazio interior que pode levar à
angústia e ao desespero. O filósofo existencialista Jean-Paul Sartre explorou a ideia do
vazio como uma experiência humana fundamental, uma sensação de ausência de
significado em um universo aparentemente indiferente.
Mas será que o vazio é realmente algo a ser temido ou evitado? Ou será que, ao
abraçarmos o vazio, podemos encontrar libertação e plenitude? Talvez o vazio não seja
apenas a ausência de algo, mas também a presença de um potencial infinito, um espaço
para a criatividade, a renovação e a transformação.
Entende-se que, quando compreendemos o vazio como potência perdemos os
sentidos e deixamos de reconhecer todas as capacidades que permeiam tal sentimento de
ausência que provoca tanta angústia. Talvez o problema não esteja no vazio, mas sim na
liberdade de transformar potência infinita em ato. Ao se deparar com a liberdade total,
cerceamos a nossa capacidade, criatividade e essência para dar espaço ao medo e isso sim
gera a temida angústia que se sugere partir do vazio. O homem ainda não aprendeu a se
responsabilizar por sua liberdade e, por diversas vezes, coloca sua liberdade nas mãos de
outros indivíduos e se entrega constantemente a estereótipos diminutivos de suas
capacidades para se sentir pertencente há determinado grupo ou ser aceito por
determinados comportamentos que limitam, constantemente, sua liberdade de ser e agir
para se enquadrar. A necessidade de pertencimento e aceitação pelo outro limita a
capacidade de ser e agir do indivíduo agravando a sensação de vazio dando a falsa ideia
de pertencimento. Esse agravamento preenchido por um sentimento camuflado faz com
que o vazio aumente consideravelmente trazendo outras patologias ao indivíduo que
passa a lutar cada vez mais contra esse vazio que é sustentado dia após dia com supérfluos
que se camuflam de liberdade.
Porém ao contemplarmos o vazio, somos desafiados a questionar nossas
suposições e preconceitos, a abandonar nossas fixações e expectativas, a abrir-nos para o
desconhecido e o inexplorado. O vazio nos convida a soltar nossas amarras e a nos
reconectarmos com a essência mais profunda de nosso ser que é a liberdade. O conceito
de liberdade, igualmente, não é reconhecido por si mesmo. Liberdade é entender que ser
livre é não ter o poder de atravessar uma parede com seu corpo sem movê-la do lugar,
mas o poder de entender que uma marreta nas mãos te dá o poder de atravessar qualquer
parede. A liberdade é a ação de compreender que o corpo tem suas limitações e isso não
limita a liberdade de ser e fazer aquilo que a máxima do imperativo categórico nos
permite. “Agir de tal forma que sua máxima seja universal.” Ser livre é compreender que
o poder de ser livre não perpassa as condições inerentes às realidades e capacidades do
ser em ato e em potência.
Em última análise, o vazio pode ser visto como uma porta de entrada para uma
compreensão mais profunda da realidade, uma abertura para a possibilidade de
transcendência e realização. Ao abraçarmos o vazio, podemos encontrar uma nova forma
de ser e estar no mundo, uma nova maneira de nos relacionarmos com nós mesmos, com
os outros e com o universo em sua totalidade. Entendendo que tudo o que é do outro está
relacionado, diretamente, ao outro e cabe a nós estendermos que o que somos não faz
referência ao outro e sim a nós mesmos. Tal inferência nos dá o poder da livre decisão de
sermos nós mesmos independente do outro e nos desamarrarmos dos nós da depressão e
da incompreensão de nossas capacidades e limitações.
Logo, o vazio não precisa ser temido, mas sim abraçado como um desafio e uma
oportunidade de crescimento e evolução. Ao mergulharmos no vazio, podemos descobrir
um novo sentido e propósito para nossas vidas, uma nova visão do mundo e de nós
mesmos. O vazio não é o fim, mas sim um novo começo, uma nova possibilidade de
ser e de se tornar. O vazio é a mais pura potência de ser algo. Use seu vazio com sabedoria
e o transforme em infinitos atos.
Adriano Cabral
Dr. h. c. Luiz Adriano Santos Cabral (Adriano Cabral) é filósofo formado pela UCP Petrópolis; MBA em Administração Pública; Pós graduado em docência de Filosofia e Teologia; Primeiro secretário da Comissão de Combate a Intolerância Religiosa da OAB 22° Subseção Magé/ Guapimirim... [+ informações de Adriano Cabral]
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Excelente 👏🏻