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Poder e Tradição – Os Cargos no Candomblé e no Benin

  • Foto do escritor: WR Express
    WR Express
  • 25 de mar.
  • 4 min de leitura

Por: Ẹ̀gbọ́n Moyses de Ògún

Foto: UFMA
Foto: UFMA

25/03/2025 | 10:10


Se há algo que mantém vivas as tradições afro-religiosas, é a hierarquia. No Candomblé e nas religiões de matriz africana do Benin, a organização dentro dos templos não é apenas uma questão de respeito, mas de aprendizado, compromisso e ancestralidade. Cada posto tem uma função sagrada, passada de geração em geração, garantindo que os ritos permaneçam vivos e autênticos.



No Candomblé, a figura central é o Bàbálòrìṣà ou Ìyálòrìṣá, líder espiritual que conduz os rituais e orienta a comunidade. Mas ninguém cresce sozinho nessa jornada. Há os ogãs e ekedis, que desempenham papéis fundamentais: os primeiros cuidam dos toques e cantos sagrados, enquanto as ekedis assistem os orixás incorporados sem nunca entrar em transe. Já os filhos de santo percorrem um longo caminho de aprendizado, sendo os iaôs os recém-iniciados, ainda em fase de formação espiritual.


No Benim, berço de tradições que deram origem ao Candomblé Jeje e até mesmo no Candomblé no geral, a estrutura também é marcada pelo respeito à ancestralidade. Lá, os sacerdotes do culto de Fá são chamados de Bokonon, enquanto os líderes dos templos Vodun recebem os títulos de Vodunnon para homens e Nangbo para mulheres.


Entrevistei Bàbá Egbẹ Claudio de Oṣún do Ilê Olá Omí Àṣẹ Opô Aràká para explicar um pouco mais sobre os postos e cargos no Candomblé.


“Na minha comunidade, os postos são apontados pelos Òrìṣàs patronos da casa, esses cargos não são entregues por amizade, mas sim por merecimento, algumas pessoas pela sua perseverança podem acumular cargos, em sua comunidade ou em até outro terreiro.


Eu por exemplo além de Bàbá Egbẹ sou Oṣúpin Lolale, Afekanicejolorun, Agbániperó, Alagba obá, Alapini Bàbá Egbẹ, Bàbá Oloṣún... títulos que acumulei em minha casa e na casa de filhos e amigos. Esses títulos precisam ser exercidos, sendo uma missão a ser cumprida. Há uma questão que permeia o Candomblé sobre “retirar” posto, uma pessoa que se desvincula de sua comunidade espiritual, está deixando para trás suas funções na comunidade, sendo assim, também abdicando de seu posto, mas é o Òrìṣà que decide se o posto de alguém que saiu da casa será dado para outra pessoa.


Meu posto significa “Pai da comunidade”, ajudo a manter a ordem, as tradições e a hierarquia, também sou um conselheiro. Este posto foi dado pelos Òrìṣàs, meu pai Tata Pérsio de Sàngó confirmou meu posto com Mãe Carmem de Òṣógiyàn do Gantois, porém se passaram alguns anos até que eu pudesse receber esse cargo, que considero uma honraria, e cumpro com fidelidade até hoje.”


Também entrevistei o pai Dah Zodaàví, que é Bokonon-Fá (Sacerdote de Fá), Vodunnon e Balley Egungun, também Doté no Candomblé:


“Existem associações que algumas famílias são filiadas, que gerenciam e controlam a emissão de títulos e outorgas. Mas vemos nas redes sociais guerras entre associações dizendo que tal título é inválido, que o daquela associação que vale, enfim, o que devemos ter é o reconhecimento da nossa família ou do templo que somos ligados. Burocratizar o sacerdócio traz problemas.


Muitos brasileiros ganham títulos para representar uma família ou associação específica no Brasil, não no culto em si num modo geral, ou seja, a pessoa é representante oficial daquela família do tal culto no Brasil, podendo existir outra pessoa representando tal culto, mas de outra família no Brasil.


Documentos que carimbam esses títulos se compram, se ganham e/ou se conquistam, enfim, é apenas um papel burocrático que brasileiro adora ostentar. Caçar impostores é um belo argumento para fomentar a disputa do mercado religioso. Cada um têm suas práticas, não existe certo ou errado. Impostor de verdade, seria quem diz ser de uma família ou iniciado em algum culto e não ser, só assim a palavra impostor seria viável. Brasileiros titulados no Benin podem outorgar títulos no Brasil, dentro da sua família.


A respeito da correlação de postos e cargos do Candomblé com os títulos africanos, posso dizer que o Candomblé não nasceu Candomblé, ele se tornou Candomblé para se adaptar ao meio. Assim, algumas funções religiosas são parecidas ou idênticas ainda hoje, outras foram criadas para atender demandas da diáspora.


Sobre cargos ou funções que se mantém o mesmo nome ou função, teremos Hunto, o tocador de tambor como no Brasil. A ou o Hunso, responsável pelas danças, ensinar os Vodunsi entre outras coisas. O Kpejigan se mantém na função de ser o guardião do Kpeji, mas no Benim, esse cargo está ligado ao culto Thron, não dos Voduns que a gente conhece. O cargo Ekeji no Brasil e suas funções, no Vodun Tradicional, não vai existir um cargo com o mesmo nome nem com o mesmo conjunto de funções”


Esses títulos vão muito além de simples nomes. Eles carregam responsabilidades, saberes e a missão de preservar um legado que sobreviveu à travessia do Atlântico e segue forte até hoje. Afinal, no Candomblé ou no Benin, ocupar um posto é mais que um status: é um chamado da própria ancestralidade para exercer uma missão.



Ẹ̀gbọ́n Moyses de Ògún - AxéNews

Ẹ̀gbọ́n Moyses de Ògún

Moyses de Ògún é Ẹ̀gbọ́n e conselheiro no Ilê Olá Omí Àṣẹ Opo Àràkà, delegado de cultura em São Bernardo do Campo eleito pelo povo de terreiro na elaboração do plano municipal de cultura.​

Defensor da laicidade do estado, liberdade religiosa e dos povos tradicionais de terreiro, executivo do mercado financeiro e escritor. [+ informações de Ẹ̀gbọ́n Moyses de Ògún]


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Artigo de Opinião: texto em que o(a) autor(a) apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretações de fatos, dados e vivências. ** Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do AxéNews.


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