Pelas encruzilhadas da vida, um manifesto de estreia

Por: Julio Cesar Rodrigues

Foto: TUEG UK

✅ 06/10/2025 | 00:57

Começar pelo número 1 é também começar por Exu. Senhor da comunicação, dono das encruzilhadas, guardião dos movimentos. Nada se inicia sem sua presença. É ele quem anuncia que todo encontro é também um ponto de partida. Nos cultos de matriz iorubá, reverenciamos Exu. Nos terreiros de tradição bantu, sua força se manifesta como Pambu Njila, o senhor das passagens e das travessias. Dois nomes, uma mesma potência: a de abrir caminhos, conectar mundos e manter viva a arte do diálogo.

Não poderia haver símbolo mais justo para este momento em que, pela primeira vez, escrevo nesta coluna. Afinal, se hoje minhas palavras chegam ao Axé News, é porque encruzilhadas foram formadas. E nelas nos encontramos. Foi Tati Brandão quem me apresentou a Leandro, idealizador deste portal. Renan Piedade, companheiro também nos Diálogos Afrodiaspóricos, já trazia sua voz como colunista. E eu, que venho dedicando minha trajetória acadêmica, política e espiritual à luta contra o racismo e à afirmação da cultura afro-brasileira, encontrei aqui mais um espaço de construção. Encontros que não são obra do acaso, mas da força ancestral que nos guia e convoca.

As encruzilhadas são mais do que cruzamentos: são lugares de escolha, de pausa, de decisão. Filosoficamente, representam a possibilidade de novos caminhos e a necessidade de assumir a responsabilidade sobre o que se escolhe. Na tradição afro-brasileira, nelas habitam Exu e Pambu Njila, guardando os destinos, ensinando que não há travessia sem comunicação, sem partilha, sem relação.

Foi desse mesmo espírito que nasceu o projeto Diálogos Afrodiaspóricos. Criado para ser espaço de escuta e fala, encontro e debate, o Diálogos trouxe já em suas duas edições um caleidoscópio de vozes: pesquisadores, artistas, lideranças religiosas, ativistas e profissionais de diferentes áreas. Juntos, nos colocamos diante das dores e das potências da experiência negra, debatendo racismo religioso, equidade de gênero, ancestralidade, educação, política e arte. Não como um seminário convencional, mas como um território vivo de trocas, onde cada fala é um tambor que convoca à resistência.

Se o Diálogos nasceu para construir pontes, o AxéNews se revela agora como um

prolongamento desse chamado. Um portal que se tornou referência na denúncia ao racismo religioso e na valorização da cultura afro-brasileira. Estar aqui, como colunista, é também uma forma de afirmar: nossa palavra tem lugar, nossa memória tem valor, nossa espiritualidade tem potência política e cultural.

Vivemos tempos em que o racismo ainda insiste em se atualizar em novas formas de violência. É contra isso que seguimos erguendo nossas casas, nossos terreiros, nossas vozes. Cada terreiro é também uma biblioteca viva. Cada toque de atabaque, uma aula de história que o Brasil ainda tenta negar. Cada encontro, uma encruzilhada que nos permite escolher entre o silêncio da opressão ou a palavra que liberta.

Hoje, escolho a palavra. E que esta primeira escrita seja também um assentamento: que Exu e Pambu Njila abram os caminhos desta coluna. Que possamos, juntos, seguir construindo diálogos, ocupando mais espaços, construindo e fortalecendo pontes, derrubando mais muros, e afirmando a dignidade e a beleza do povo preto afrodiaspórico, do Povo de Axé.

Porque nas encruzilhadas da vida, aprendemos que não se caminha só. Caminhamos juntos, guiados pela alegria, pelo contentamento e pela força de quem sabe que a luta é também celebração da vida. E é com essa força que iniciamos.

Laroyê Exu! Mukuiu Pambu Njila!

P.S.: escrevi este texto no dia 01/09. Salve Eles, senhores do início de todos os caminhos.

Julio Cesar Rodrigues

Julio é administrador com sólida carreira executiva em marketing e branding, tendo atuado em setores como moda, varejo, educação, publicidade, telecomunicações e TV, onde ocupou posições de liderança em empresas de referência. É doutor e pós-doutor em Psicologia Social, pesquisador sobre comportamento de consumo e produção de subjetividades contemporâneas, com ênfase em estudos de gênero e masculinidades... [+ informações de Julio Cesar Rodrigues]  

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