top of page

Mulheres trans negras enfrentam barreiras no mercado editorial brasileiro

  • Foto do escritor: WR Express
    WR Express
  • 21 de mai.
  • 4 min de leitura

Por: Lelo Oliver

ree

✅ 21/05/2025 | 14:27


Apesar de avanços pontuais em políticas de diversidade, o mercado editorial brasileiro ainda impõe barreiras significativas para mulheres trans negras. Essas barreiras não são apenas simbólicas, mas estruturais e profundas, fruto de um sistema que combina racismo, transfobia e exclusão social. Mesmo diante desse cenário adverso, essas autoras estão criando seus próprios caminhos e contribuindo de forma marcante para a literatura brasileira contemporânea.


ree

Para entender os desafios enfrentados por mulheres trans negras na literatura, é preciso observar como racismo e transfobia se cruzam e reforçam um ao outro. Esse cruzamento é conhecido como interseccionalidade — um conceito que mostra como diferentes formas de opressão agem simultaneamente e afetam grupos específicos de forma única. No caso das mulheres trans negras, isso significa que elas enfrentam discriminações múltiplas e específicas que não são vividas da mesma forma por pessoas brancas, cisgêneras (pessoas que se identificam com o gênero que lhes foi atribuído ao nascer) ou homens.


Essas opressões se manifestam desde o início da jornada literária. Muitas dessas autoras são excluídas dos espaços de formação, como cursos de escrita, oficinas e universidades, seja por falta de recursos econômicos, seja por violência institucional. A evasão escolar entre a população trans no Brasil ainda é alta, com muitos sendo forçados a abandonar os estudos por conta do preconceito. Isso cria um ciclo de exclusão que começa na infância e se estende até a vida adulta, impactando diretamente o acesso ao mercado editorial.


Uma das principais barreiras para essas mulheres é a falta de representatividade. Poucas editoras dão espaço para autoras trans negras, o que reforça a ideia de que suas vozes não pertencem ao “cânone literário”, ou seja, ao conjunto de obras consideradas importantes ou de qualidade pela crítica e pelo mercado. A ausência de representatividade afeta diretamente a autoestima e a projeção de futuro dessas autoras, que muitas vezes não se veem como possíveis escritoras ou criadoras.


Outro obstáculo relevante é o chamado gatekeeping (em português, “controle de entrada”), que acontece quando editores, curadores e agentes decidem quem deve ou não ser publicado com base em critérios muitas vezes subjetivos. Esses critérios, ainda que pareçam neutros, costumam estar alinhados a padrões brancos, cisgêneros e de classe média, o que exclui vozes que fogem desse molde. O resultado é um mercado editorial fechado, que reproduz preconceitos ao invés de combatê-los.


Mesmo quando conseguem ser publicadas, essas autoras enfrentam o que especialistas chamam de “violência simbólica” — quando suas obras são desvalorizadas ou tratadas como meramente relatos de dor, sem reconhecimento da complexidade artística de seus textos. Muitas vezes, o público e a crítica só sabem ler essas produções como denúncia social, ignorando sua força literária, poética e política.


Diante de tanta exclusão, muitas mulheres trans negras vêm criando seus próprios caminhos. Um dos recursos mais utilizados tem sido o da autopublicação, por meio de redes sociais como Instagram, plataformas como o Wattpad ou campanhas de financiamento coletivo. Esses canais permitem que suas vozes cheguem ao público sem a intermediação de grandes editoras e abrem espaço para a construção de redes de apoio e divulgação.


Além disso, algumas editoras independentes têm se destacado por dar espaço a autoras negras e LGBTs. Selos como Malê, Nós e Dandara vêm buscando construir um catálogo mais diverso, apostando na literatura como espaço de transformação social. Esses projetos mostram que é possível fazer uma curadoria literária comprometida com a pluralidade de vozes brasileiras, valorizando diferentes vivências e formas de escrita.


Coletivos literários e movimentos de ação afirmativa também vêm desempenhando papel fundamental. Grupos formados por escritoras e escritores trans, negros e periféricos têm criado espaços próprios de circulação, promovendo lançamentos, feiras, rodas de leitura e formações. Esses espaços muitas vezes funcionam como pontos de resistência e empoderamento, onde a literatura serve como ferramenta de fortalecimento identitário e comunitário.


Nos últimos anos, algumas autoras trans negras brasileiras vêm ganhando maior visibilidade e contribuindo de forma potente para a literatura e o pensamento crítico no país.


Entre elas está Amara Moira, escritora, doutora em literatura e ativista pelos direitos das pessoas trans. Com uma escrita direta, sensível e política, Amara é uma referência tanto no meio acadêmico quanto no literário. Seu livro E se eu fosse puta rompe com diversos tabus e discute experiências de vida com profundidade e coragem.


Outra figura importante é Luísa Marilac, conhecida inicialmente como personalidade da internet, que lançou sua autobiografia trazendo à tona não só sua trajetória pessoal marcada por preconceitos e superações, mas também reflexões sobre o que é ser uma mulher trans negra no Brasil. Sua escrita mistura vivência, crítica social e empoderamento.


A escritora Jovanna Cardoso da Silva traz sua contribuição por meio da obra Diálogo de Bonecas, reeditada pela Bajubá Odara. O livro aborda a história do movimento travesti e trans no Brasil e é considerado uma referência histórica e política fundamental.


Thiffany Odara, pesquisadora, pedagoga e Iyálorixá, é autora do livro Pedagogia da Desobediência, em que articula espiritualidade, educação e resistência negra e trans. Sua produção traz uma visão complexa e abrangente da formação de saberes e da luta por justiça social.


Por fim, Mulher Pepita, artista plástica e ativista, tem marcado presença não apenas nas artes visuais, mas também na luta política por visibilidade e direitos da população trans. Sua produção multifacetada atravessa o campo da estética, da identidade e da afirmação cultural.


As contribuições dessas autoras mostram que a literatura brasileira não só tem espaço para vozes trans negras como precisa delas para se renovar e romper com estruturas coloniais e excludentes. É urgente que o mercado editorial se abra de forma mais concreta e comprometida para acolher essas narrativas não apenas como exceções ou modismos, mas como parte fundamental do que é a literatura brasileira contemporânea.


Romper com a lógica do silenciamento é um passo necessário para que todas as pessoas possam se ver representadas na arte e na cultura. E mais do que representação, trata-se de garantir condições reais de acesso, produção e permanência para que a escrita dessas mulheres não seja apenas resistência, mas também potência, celebração e reinvenção do mundo.



Lelo Oliver - AxéNews

Lelo Oliver

Produtor Editorial, Design Gráfico, Capista e Diagramador. CEO da Onirá Editora e do selo Novos Griôts. Com Vários Livros e Revistas produzidos e Lançados dentro e fora do Brasil. Revista Escrita Sete (Portugal, Frankfurt e em breve Estados Unidos). Foi indicado com dois livros no Aclamado Prêmio Jabuti. Foi indicado com um livro na academia Brasileira de Letras.   [+ informações de Lelo Oliver]



Telefone (Whatsapp): 21 99280-6461 


Redes Sociais de Lelo Oliver


Artigo de Opinião: texto em que o(a) autor(a) apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretações de fatos, dados e vivências. ** Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do AxéNews.


 
 
 

2 Comments


Hellen Jesus
Hellen Jesus
May 21

Materia sensacional! É tudo muito dificil para essa comunidade alcançar e tudo que é alcançado é com muita garra, determinação e fadiga...talvez apoiando uns aos outros fique menos pesado...concordo com a Nicole, devemos comprar e prestigiar aqueles que foram silenciads.

Like

Nicole Mussi Vasti
Nicole Mussi Vasti
May 21

E o público precisa aderir. Comprando e prestigiando quem já foi silenciade

Like
bottom of page