Os trabalhadores e o terreiro
- WR Express
- 17 de mai.
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Atualizado: 17 de mai.
Por: Iya Paula de Odé

17/05/2025 | 20:58
No início deste mês, comemoramos o dia 1° de maio, dia do trabalhador. Parabéns para nós, ministros de confissão religiosa. Sim! É desta forma que o INSS nos classifica. Parece que esse termo só cabe a pastores, padres, rabinos, mas cabe a nós também, Babalorixás e Yalorixás. Ser Iyá ou Babalorixá é, sim, um ofício. E que ofício!!!! Dá trabalho à beça!
Parece que é um tabu falar de valores monetários quando se trata do sacerdócio de matriz africana, porém é altamente normal um pastor receber um salário para se dedicar à sua congregação. É normal o pastor ter uma boa casa alugada pela sua igreja, seu filho ter bons colégios, também pagos pela igreja. Afinal, o pastor está se dedicando à igreja, mas ele também tem família, né? Como se pai e mãe de santo também não tivessem! É absolutamente normal um padre ter um salário, apesar de fazer votos de pobreza. O patrimônio exorbitante do Vaticano também é normal, assim como o fato de possuírem uma moeda própria chamada, antigamente, de lira vaticana. Mas é um TABU falar de dinheiro quando se trata de terreiro de candomblé. Aliás, dinheiro para pretos e pobres ainda é um problema. Não sei se o problema maior é não ter dinheiro ou ter muito dinheiro. Mas essa é uma outra história que precisa ser falada e conversada entre nós.
Ser Iyá (Babá) realmente é um dom. Nem todos nasceram para isso. É uma caminhada árdua de dedicação, aprendizado e, sobretudo, INVESTIMENTO. Uma pessoa pode ter o dom da medicina, mas ela precisa estudar para ser médico, não é? No nosso sacerdócio não é diferente. Como algumas aldeias yorubás se sustentam? Com seus saberes. Com o legado deixado pelos nossos ancestrais. Nas casas de candomblé não é diferente. Falando pela minha casa, os que têm mais podem ajudar aqueles que têm menos, entretanto, a fé, o dom e a devoção não vão sozinhos comprar a vela, a galinha da macumba entre outros insumos. Também não vão pagar o sabão e a água sanitária para deixar as roupas alvas e cheirosas, nem vão pagar a conta de luz.
É necessário ter uma outra visão do que é uma casa de candomblé. Para administrá-la bem são necessários talentos, muitos talentos. Imagina administrar um espaço que, normalmente, não tem menos de 200 metros quadrados?
Acredito que toda liderança do candomblé deveria receber um benefício da previdência social. Os egbomi (mais velhos) trabalham incansavelmente em prol dos que precisam. Eles organizam, cozinham, têm responsabilidade com os mais novos. Os ogans, por exemplo, tocam mais de 5 horas para que os orixás dancem no salão. Se eu enumerasse o quanto se trabalha numa casa de candomblé, precisaria de, no mínimo, mais duas laudas para descrever.
Se a gente parar para pensar, a casa de candomblé tem uma estrutura de uma empresa. Presidente (Iyalorixá), Vice presidente (herdeira/o), diretores (ogans e ekedis), gerentes (egbomis) e colaboradores (demais filhos de santo).
Eu costumo brincar que as lideranças da casa, tais como Iyalorixá, ogans, ekejis e egbomis, são CLT e os demais são MEI. Os CLT são funcionários diretos do dono da casa, no meu caso, Oxóssi. Estes pensam duas vezes antes de não cumprir com suas responsabilidades por conta da justa causa (sair do axé expulso pelo orixá) ou de precisar procurar outro emprego (outra casa de santo). Também ponderam devido os benefícios, como FGTS, seguro desemprego, auxílio alimentação, seguro saúde (risos)... Já os que são MEI, é aquilo, não se prendem a nada, nem a ninguém. Cada um fazendo o seu e o que tem que fazer: cuidar da sua espiritualidade e seguir o que a liderança manda até, quem sabe um dia, ser contratado como CLT também.
Parabéns para aqueles que estão disponíveis para ajudar quem precisa em qualquer hora do dia ou da noite. Seja com uma reza, com uma magia, com um bom conselho. Parabéns para nós, sacerdotisas e sacerdotes, que abrimos mão das nossas vidas pessoais para arrumar a vida dos filhos e consulentes e, mesmo assim, às vezes, somos desvalorizados. Parabéns para todos Babalorixás e Iyalorixás que largam os seus lares para fazer a reconexão ancestral do noviço que chega à casa de santo em busca de cura.
Precisamos falar mais sobre o candomblé como uma instituição como qualquer outra e sobre a energia do dinheiro na vida dos seres humanos. Precisamos nos apoderar do princípio que Ajê nos deixou. A prosperidade é um legado deixado por nossos ancestrais. Ainda que tenhamos dons espirituais, não fazemos votos (ou falsos votos) de pobreza. Tomemos posse!

Iya Paula de Odé
Iyalorixá Paula de Odé, idealizadora e presidente do Instituto Ọṣẹ Dúdú, Presidente do Afoxé Ómó Ifá - RJ, ativista, palestrante e pesquisadora do grupo Africanias da escola de música da UFRJ
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