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Grupo de teatro Roma Negra: ancestralidade e temáticas afro-brasileiras na capital italiana

Por: Tatiana Golfetto


Foto: Divulgação

20/10/2024 | 12:45


A companhia de teatro “Roma Negra” nasce em Roma, na Itália, quase como uma

exigência. Desde que chegou à Itália, o seu fundador, Edilson Araújo, brasileiro e soteropolitano, tinha a ideia de mostrar um outro lado da cultura brasileira que fosse “menos estereotipado”, nas suas palavras. Desde sempre trabalhou com teatro e ao longo dos anos participou de laboratórios em diversos países, como África do Sul (Soweto), México, Laos, Tailândia e Camboja. Durante essas viagens, visitou inúmeros projetos e associações, trocando histórias e conhecimentos. Hoje é educador em uma escola romana. Depois de uma experiência na capital italiana em um grupo teatral formado só por imigrantes, ele se convenceu de que precisava contar histórias que refletissem a sua herança e a sua experiência de vida. O projeto com os imigrantes, financiado pela prefeitura de Roma, tinha uma grande importância. A ideia era levar para o palco as histórias desses imigrantes com o objetivo de provocar uma reflexão sobre a experiência migratória, contrastando estereótipos e preconceitos difundidos na sociedade italiana. Edilson conta que por isso teve que interpretar muitas histórias reais, mas difíceis, o que o fazia refletir. Ele passou a sentir a necessidade de contar outras histórias, mais próximas à sua realidade. Não que aquelas histórias que já contava não fossem importantes, muito pelo contrário. Mas, enquanto migrante brasileiro, ele queria levar aos palcos italianos parte da sua identidade.



Em 2015, em uma de suas buscas, se deparou com um curso de dança afro-brasileira

oferecido em uma associação, a ICBIE Europa (Instituto de Cultura Brasil Itália), que funciona

dentro do SpinTime Labs, espaço muito conhecido na cena cultural romana. O SpinTime é um

prédio de sete andares antiga sede do Inpdap (instituto de previdência e assistência para

funcionários públicositalianos, extinto em 2011) e ocupado desde 2013 por mais de 150 famílias de diversas nacionalidades. Ali, no térreo, deu-se vida a uma realidade cultural riquíssima e o espaço hoje conta com restaurante, lugar para co-working, um teatro, uma biblioteca, espaço para sedes de algumas associações, como a ICBIE Europa, e salas para oficinas culturais. Através desse curso, Edilson entrou em contato com o SpinTime e apresentou um projeto para dar aulas de teatro para as crianças que moram na ocupação. Em troca das aulas, ele pode usar os espaços para ensaiar e a estrutura do teatro para realizar seus espetáculos. Assim nasce o “Roma Negra”.


O primeiro espetáculo do grupo ocorreu em fevereiro de 2016 e foi dedicado à Iemanjá:

“La Regina Blu e l ́Uomo Nero” (literalmente “a rainha azul e o homem negro”), o qual contava a história dos orixás e, claro, homenageava a Rainha do Mar. O grupo também o apresentou em várias escolas públicas romanas, incluindo o Instituto Carlo Pisacane, que conta com um dos maiores números de estudantes imigrantes da capital italiana. O espetáculo também foi apresentado em outros países, como o Laos.


A partir daí, o grupo foi crescendo e hoje conta com mais de vinte pessoas, entre

brasileiros e italianos. Edilson conta que a cada ano busca contar uma história diferente, sempre ligada ao Brasil e à África, o que o leva a ter que estudar regularmente, sempre em busca de novos elementos. Estudar aquela história que “não foi ensinada na escola”, a de seus ancestrais. Segundo Edilson, com uma linguagem simples mas eficaz, suas histórias não fogem da “brasilidade” e são sempre conectadas à dança, mesmo que muitos membros do grupo não

sejam bailarinos. No último espetáculo, realizado esse ano, eles contaram a história de Tia Ciata, baiana que se mudou para o Rio de Janeiro, mãe de santo e personagem fundamental para a formação do samba. A história de Tia Ciata também foi ponto de partida para a peça abordar temas contemporâneos ligados à identidade cultural, à solidariedade e à imigração.


Através da linguagem do teatro, e do estudo, Edilson se reconecta à sua ancestralidade.

Na sua visão, os espetáculos teatrais também dão a possibilidade aos brasileiros que vão assisti-los de “manter um pé na nossa cultura”, mesmo estando em outro país, e às novas gerações de aprender sobre a nossa história. Tudo isso ao mesmo tempo em que ele mantém viva as suas raízes e ancestralidade. Passado, presente, futuro, ancestralidade, novas gerações, migrações de pessoas e de orixás. Como conta Edilson, sementes plantadas que começam a dar frutos. No começo de 2023, Edilson recebeu em Portugal o título Doctor Honoris Causa, concedido pela Faculdade FEBRAICA e pela Ordem dos Capelães do Brasil (OCB). Para ele, tal reconhecimento pelo trabalho desenvolvido nesses anos não é uma conquista somente pessoal, mas de todos aqueles que de algum modo contribuíram para a formação do “Roma Negra”. E o trabalho do grupo tem agora a possibilidade de chegar em ainda mais lugares e atravessar outro continente: Edilson e sua companhia teatral foram convidados para participar da 16a edição do Agogô Festival, um festival internacional de dança em Cotonou, no Benin, que acontecerá entre os dias 16 e 19 janeiro de 2025. Além de um espetáculo, “Roma Negra” também oferecerá laboratórios de teatro para crianças de algumas escolas beninenses. Assim, a viagem também será marcada por um intercâmbio cultural entre o grupo e grupos de teatro e dança beninenses, entre o Brasil (que se encontra na Itália) e a África.


“Roma Negra” está organizando uma série de eventos para arrecadar recursos e custear

a viagem até o Benin. O primeiro deles está previsto para o dia 17 novembro em Roma. O

espetáculo terá como foco a história dos agudás, os “retornados”, homens e mulheres negros e libertos que, entre os séculos XVIII e XIX, voltaram à África para se estabelecerem. Os agudás criaram comunidades principalmente no Benin, experiência que produziu uma complexa bagagem identitária, entre ser brasileiro e ser africano. Nas palavras de Edilson: o Brasil que voltou à África, o Brasil fora do Brasil.


Para conhecer mais o trabalho do “Roma Negra” e ajudar na viagem ao Benin, siga as

redes sociais:









Tatiana Golfetto - AxéNews

Tatiana Golfetto

Antropóloga. Docente na John Cabot University, Roma, Itália. Doutora em História das religiões/antropologia (Universidade de Roma Sapienza). Desde 2013, acompanha e pesquisa a expansão das religiões de matriz africana na Europa, especialmente na Itália. É membro de Jacarandá, associação de brasilianistas na Itália.



E-mail de Tatiana Golfetto: tatigolfetto@hotmail.com

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