Bibliotecas nos Terreiros: Um Terreiro que Lê, Resiste e Ensina
- WR Express

- 12 de jun.
- 4 min de leitura
Por: Lelo Oliver

✅ 12/06/2025 | 08:00
É com profundo respeito às nossas tradições e com os pés fincados na terra que nos sustenta que venho falar de algo essencial: a urgência de termos bibliotecas dentro dos terreiros de Candomblé e Umbanda.
Nossos terreiros sempre foram centros de saber. Antes mesmo de qualquer livro, já havia conhecimento. Já havia oralidade, já havia filosofia, espiritualidade, cura, ciência e história sendo transmitidas com o som do atabaque, com o cheiro das folhas, com a palavra dos mais velhos. Sabemos disso. E por isso mesmo, precisamos agora unir esse saber ancestral à potência transformadora do livro, da leitura e da escrita.
Uma biblioteca em um terreiro é mais do que um acervo de livros. É uma ferramenta de libertação. É um gesto de resistência. É uma resposta firme ao apagamento que os povos de Axé sofreram por séculos. Ao construirmos bibliotecas dentro dos nossos egbè, estamos dizendo: nós temos o direito de aprender, de ensinar, de acessar o mundo — com nossas raízes bem firmes em nossa ancestralidade.
Uma biblioteca no terreiro é lugar de acolhimento. De leitura para as crianças da comunidade. De pesquisa para os jovens que querem entender sua história. De encontro para filhos e filhas de santo que desejam expandir seus conhecimentos. De troca com educadores, escritores e artistas. É também um espaço para preservar a memória dos nossos — porque quem escreve, resiste. Quem lê, se arma de saber.
Vivemos tempos em que o livro ainda não chega às mãos de muitas crianças negras. Em que bibliotecas públicas são fechadas ou negligenciadas. Em que a intolerância religiosa cresce junto com a ignorância. Diante disso, os terreiros podem — e devem — ser também refúgios de leitura. Não porque isso seja uma moda ou uma tendência, mas porque isso é parte da nossa missão com o coletivo, com o cuidado e com a transformação.
Porque livro também é oferenda. Palavra também é encantamento. Saber também é cura.
Que os terreiros sejam cada vez mais casas de saber, de memória, de leitura e de escrita. Que sejam bibliotecas vivas e, ao mesmo tempo, abrigo de bibliotecas físicas — para que nenhuma criança do entorno precise buscar longe o que pode encontrar perto: acolhimento, axé e conhecimento.
Em tempos em que a palavra se transforma em resistência, criar bibliotecas dentro dos terreiros de Candomblé e Umbanda é um gesto político, pedagógico e profundamente ancestral. É devolver às comunidades de Axé o direito à memória, ao conhecimento e à palavra — instrumentos que nos foram negados durante séculos de apagamento e silenciamento.
Foi com essa consciência que a Etemí Flávia, mulher de Axé, Mãe de Santo e filha das tradições afro-brasileiras, deu um passo firme e necessário: criou, dentro do seu próprio terreiro, a Biblioteca Maria Firmina dos Reis. Mais do que um espaço de livros, ela construiu um lugar de saberes, de encontros e de transformação social.
A iniciativa de Etemí Flávia é um exemplo do que pode e deve ser multiplicado. Seu gesto afirma que os terreiros, além de casas de culto, são também lugares de formação humana, de cuidado, de educação e de reencantamento do mundo. A biblioteca no seu Ègbé — espaço sagrado e coletivo do terreiro — é uma extensão do axé, onde o conhecimento se manifesta não só nos rituais, mas também nas letras e nas leituras que fortalecem crianças, jovens e adultos da comunidade.
Criar bibliotecas nos terreiros é um ato de re-existência. É romper com o ciclo de marginalização histórica imposto às religiões de matriz africana, é oferecer às comunidades negras e periféricas acesso à literatura, à informação, à formação política e cultural. É dizer, com firmeza e dignidade, que o saber ancestral caminha lado a lado com o saber acadêmico, literário e popular — e que um fortalece o outro.
Etemí Flávia compreendeu isso com profundidade. Ao abrir a Biblioteca Comunitária Maria Firmina dos Reis, ela abriu portas para outras possibilidades de futuro. Para crianças que nunca tiveram um livro em casa, para jovens em busca de referências negras e decoloniais, para quem deseja estudar, ensinar e aprender mais sobre suas tradições, suas histórias e sua luta.
É urgente que mais terreiros sigam esse caminho. Cada biblioteca instalada em um terreiro é uma arma contra o racismo, a intolerância religiosa e a ignorância que tanto ferem nossos povos. É uma fonte de axé que transborda para além dos portões do terreiro, alcançando ruas, escolas, casas, feiras, praças.
As casas de Axé sempre foram centros de resistência, de cultura e de cuidado. Que também sejam centros de leitura. Que a palavra escrita e falada encontre seu lugar entre os atabaques e as folhas sagradas, porque ler também é uma forma de louvar nossos ancestrais.
Que a semente plantada por Etemí Flávia floresça em muitos outros Egbés. Que mais terreiros compreendam a potência transformadora de abrir uma biblioteca para sua comunidade. E que possamos, com livros nas mãos e axé no coração, seguir firmes na construção de um mundo mais justo, mais sábio e mais nosso.

Lelo Oliver
Produtor Editorial, Design Gráfico, Capista e Diagramador. CEO da Onirá Editora e do selo Novos Griôts. Com Vários Livros e Revistas produzidos e Lançados dentro e fora do Brasil. Revista Escrita Sete (Portugal, Frankfurt e em breve Estados Unidos). Foi indicado com dois livros no Aclamado Prêmio Jabuti. Foi indicado com um livro na academia Brasileira de Letras. [+ informações de Lelo Oliver]
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Artigo de Opinião: texto em que o(a) autor(a) apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretações de fatos, dados e vivências. ** Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do AxéNews. |








É com grande alegria e respeito que parabenizo a iniciativa da criação desta biblioteca no terreiro de Candomblé. Este espaço é mais do que um acervo de livros — é um guardião da memória ancestral, da sabedoria dos mais velhos, da força das tradições e do conhecimento que resiste.
Que esta biblioteca continue sendo um ponto de axé, aprendizado, acolhimento e valorização das culturas afro-brasileiras. Que os saberes ali reunidos iluminem caminhos, inspirem jovens e fortaleçam ainda mais os fundamentos sagrados desta casa.
Parabéns a todos que tornaram esse sonho possível. Que os Orixás continuem abençoando essa linda jornada de preservação, resistência e educação!
Com respeito e admiração,
Seminaho etemí Flávia
Seminaho Lélus de Logun Edé
Gratidão ao colunista Lélus de Logun Edé pela deferência, pelo reconhecimento do nosso trabalho e da importância de termos esse espaço de saber e resistência dentro do terreiro. Gratidão por ser também um colaborador da nossa biblioteca que já ganhou forma e que em breve será inaugurada .