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Afetividade como valor civilizatório afro-brasileiro

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    WR Express
  • há 3 dias
  • 5 min de leitura

Por: Gisele Rose

07/05/2025 | 07:48


Vivemos um tempo onde existe uma urgência em gerar debates sobre as relações étnico-raciais nos diferentes campos do conhecimento. Dentro desta perspectiva, traremos neste artigo o legado da intelectual negra Azoilda Loretto da Trindade (1957-2015) que compilou os valores civilizatórios afro-brasileiros, que são princípios e normas que constituem existências no âmbito das subjetividades e coletividades forjando estratégias para ações e posicionamentos nas várias esferas cotidianas, pois ao redescobrirmos os valores civilizatórios afro-brasileiros compreendemos os embates sociais e históricos, determinados pelo racismo, e que através de um retorno ancestral aos nossos valores percebemos o local de sujeitos potentes e pujantes, construtores de uma realidade outra que irá proporcionar uma vida menos desigual.



A afetividade é um valor civilizatório afro-brasileiro que perpassa por todos os outros, pois é através do afeto que nos unimos, que pensamos sobre o pertencer e o estar do outro. É a afetividade que nos faz pensar e compreender a existência do outro, que permite nos unir para que possamos lutar por uma sociedade antirracista.


Refletir sobre uma sociedade que possa de fato se colocar como antirracista é uma tarefa necessária. Para tanto, precisamos forjar instrumentos que possibilitem nos aproximar uns aos outros enquanto sujeitos, gerando múltiplas possibilidades de existências, construções de subjetividades e coletividades, criando a necessidade de pensar uma forma diferenciada de afetar cada sujeito que esteja inserido nesse processo.


A afetividade está presente no acolher e entregar, ou seja, no estar no mundo. O modo de ouvir, agir, tocar, pensar, brigar e acariciar está envolvido no processo da construção afetiva. É perceber que o outro possui suas subjetividades e precisa ser respeitado e acolhido.


Afetar o outro é propiciar a construção de potências, é perceber que cada indivíduo pode e deve ser compreendido nos detalhes de suas necessidades particulares para que possa ser visto e encarado com um ser completo.


Refletir sobre afetividade em tempos em que o cuidado com o outro está cada vez mais escasso é uma tarefa árdua e difícil. Porém, é preciso repensar os caminhos que nossas relações estão tomando para que possamos retornar a uma sociedade que tenha no afeto uma forma de ação e reação. Acolhida como aceitação do outro na sua humanidade e na sua capacidade de mudança. E para que haja aceitação e acolhida se faz necessário o diálogo entre corpos e culturas (TRINDADE, 2010).


É necessário lembrar que no cotidiano as relações de afeto são constantes e eficazes para que se possa construir ambientes que entendam que o caminho para uma educação igualitária, é ressaltar as diferenças:


Em outras palavras, porque o mundo é um montão de gente, um mar de fogueirinhas e para que as fogueirinhas existam, queimem, sejam calmas ou tenham a intensidade capaz de incendiar outras pessoas, é fundamental a nossa afetividade. Porque afetividade tem relação direta com o influenciar e ser influenciado, potencializar, possibilitar. Porque afetividade está relacionada ao gostar de gente, propiciar encontros, contatos, afetos e afetações. Porque afetividade nos reporta ao corpo e porque os corpos são potências, possibilidades, amorosidade. A afetividade é uma manifestação corporal, uma expressão corporal fundamental para os encontros, contatos, para as expressões de desejos, pensamentos individuais e coletivos, de emoções as mais diversas, de sentimentos como amor, ódio, cuidado. Em síntese, a forma, a maneira como estou/sou no mundo afeta o mundo, as pessoas (TRINDADE, 2006, p. 102-103).


Um dos fatores importantes a serem abordados é de que o processo de afetar e ser afetado pelo outro, não precisa, necessariamente, ser doloroso, mas pode ser construído de forma serena e respeitosa dentre todos os envolvidos.


A afetividade vai proporcionar uma vivência que seja verdadeiramente abrangente e que ressalte as diferenças contribuindo para a formação de identidades. Ao resgatar os valores civilizatórios afro-brasileiros, percebemos que a afetividade é o elo que nos une dentro de uma perspectiva de nos aproximarmos enquanto povo, repensando existências que foram subjugadas e criando laços onde a diversidade e multiplicidade que existem em cada um de nós serão fundamentais para a criação de uma nova humanidade. Uma humanidade sem racismo, que preza o respeito, a convivência e o diálogo. Em se tratando de uma educação para o amanhã, tecida no hoje, com o legado do ontem, eu diria, uma humanidade do amor (TRINDADE, 2015).


O processo histórico de desumanização de sujeitos nos leva a entender ainda mais que todas as existências estão recortadas pelas relações de afeto e afetividade, pensando sempre que o afeto é o elemento primordial que humaniza e visibiliza sujeitos.


Refletir que cada indivíduo é único dentro de uma perspectiva diversa é compreender que cada um é afetado de uma forma diferente. No que tange as instituições de ensino, o afeto se torna a principal fonte para compreensão dos acontecimentos do cotidiano, pois afetar é proporcionar sentido a questões, preocupações, ações e emoções que são invisibilizadas.

O afeto é a principal forma de educação, pois ele nos torna humanos. Afetar o outro no sentido de agir, e não simplesmente sentir, cria uma potência em torno daquilo que podemos fazer pelo outro, pois:


O afetar e ser afetado, que ocorre em todo momento no mundo, num mundo que não é estático, imóvel, parado, imutável, não pode ser visto como irrelevante. Como diante desta circularidade, deste movimento, desta dinâmica negligenciar, subestimar os aspectos afetivos do humano, como negligenciar as emoções, os sentimentos, os afetos, os desejos? (TRINDADE, 2008, p. 9).


Podemos então considerar que o afeto está presente durante toda a jornada de escritos e ações de Azoilda, seja com a sua presença ou a sua ausência. Aqui, ao pensar sobre afetividade como um valor civilizatório afro-brasileiro, nos remetemos a um mergulho nas questões políticas e sociais, que são recortadas pelas relações que nos remetem, pois ao se perceber no outro, ao se olhar e enxergar o outro, tendo como sentimento o gostar do outro com todas as suas subjetividades, necessidades e potencialidades, estamos dando vida aos vínculos que nos perpassam e nos unem enquanto povo.



REFERÊNCIAS

TRINDADE, Azoilda Loretto da. Educação-Diversidade-Igualdade: num tempo de encanto pelas diferenças. Revista Fórum Identidades, Ano II, v. 3, n. 3, jan/jun, 2008.


TRINDADE, Azoilda Loretto da. Fragmentos de um discurso sobre afetividade. In: BRANDÃO, Ana Paula (coord.). Saberes e Fazeres - Modos de Ver. Projeto A cor da cultura (1ª ed). Rio de Janeiro (RJ): Fundação Roberto Marinho, 2006.



TRINDADE, Azoilda Loretto da. Valores e referências afro-brasileiras. In: BRANDÃO, A. (Org.). Saberes e Fazeres: Caderno de Metodologia. Rio de Janeiro: Fundação Roberto Marinho (Coleção Kit Pedagógico: Projeto A Cor da Cultura), p. 50-97, 2015.


TRINDADE, Azoilda Loretto da. Projeto Político Pedagógico na Escola: Aplicação da Lei 10.639/03. Rio de Janeiro: Cadernos do CEAP, 2010.



Gisele Rose - AxéNews

Gisele Rose

Filósofa e escritora. Professora da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ). Mestra em Relações étnico raciais pelo Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET-RJ), Especialista em Energia e Sociedade no Capitalismo Contemporâneo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Graduada em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)...  [+ informações de Gisele Rose]  


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