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Tolerância Moderna e a Acepção às Tradições das Raízes de Matriz Africana e Nações de Candomblé

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    WR Express
  • 15 de abr.
  • 4 min de leitura

Por: Fabiana Netto


15/04/2025 | 07:25


Da série “Princípios da Tolerância aplicados aos Povos de Terreiros | Texto 1.


O debate sobre a Tolerância provém de longa data. É no século XVII que encontramos as formulações mais significativas sobre o conceito de tolerância em seu sentido moderno. É neste século que a ideia de tolerância se impõe como um princípio necessário, e a liberdade de crença ganha forma como a liberdade do indivíduo para escolher suas crenças. Também começa a ganhar força a exigência pela separação de Igreja e Estado.



Termo originário do latim tolerare, a tolerância significa “suportar” ou “aceitar”, consistindo em ato de agir com condescendência e aceitação perante algo que não se quer ou que não se pode impedir. Expressão de caráter aparentemente progressista, ouve-se muito que “é preciso tolerar a diversidade”, “suportar com indulgência”.


A conceituação progressista e bem-intencionada, desperta a indignação de alguns tolerados. Não, não é preciso tolerar ninguém. “Tolerar” significa algo como “suportar com indulgência”, ou seja, deixar passar com resignação, ainda que sem consentir expressamente tal conduta. Quem tolera não respeita, não quer compreender, não quer conhecer. É algo feito de olhos vendados e de forma obrigatória.


“Tolerar” o que é diferente consiste, antes de qualquer coisa, em atribuir a “quem tolera” um poder sobre “o que se tolera”. Como se este dependesse do consentimento do tolerador para poder existir. “Quem tolera” acaba visto ainda como generoso e benevolente, por dar uma “permissão”, como se fosse um favor ou um ato de bondade extrema(1).


O debate moderno sobre a tolerância religiosa em seu sentido estrito, a partir do século XVII, com a Lei da Tolerância (Locke), promulgada em 24 de maio de 1689, constitui-se um avanço em prol da convivência religiosa pacífica, no âmbito europeu, mas não promove a cultura de paz e garantia das liberdades a todas as crenças no momento histórico de sua criação

A Lei da Tolerância mantinha os privilégios dos protestantes, aceitava católicos desde que deixassem de ser católicos e “todas as outras crenças seriam inessenciais para a salvação, não devendo justificar a separação entre os cristãos”(2).


Torna-se evidente a preservação de evidentes discriminações e a tolerância era limitada e condicionada a aspectos políticos, onde o poder civil transferido para os indivíduos acerca da adesão de crenças, liturgias e ideologias que julgassem adequados conforme sua consciência era permitida desde que não interferisse na ordem pública, ou seja, não se verificava limites entre o Poder Temporal (Estado) e Poder Espiritual (Igreja).


Evidentemente, a adesão às demais crenças religiosas, ateus e, em destaque, às Tradições das Raízes de Matriz Africana Africana e Nações de Candomblé não era um desejo do Estado Moderno, tampouco a sua secularização, contribuindo para o avanço do sincretismo como forma de resistência e sobrevivência da fé.


Tal entendimento sobre a Tolerância já embutia a acepção dos povos terreiros, cujos cultos, costumes e liturgias eram vistas como caminhos que não conduziam a salvação.


Assim, torna-se fundamental resgatar para a luta e o combate contra a intolerância religiosa contemporânea, o papel central da Carta de Tolerância de Locke que pode ser defendida em prol da liberdade de crença, onde elucidamos, em destaque que o uso da força é inútil na formação das crenças; que o entendimento humano não deve ser demovido senão por argumentos (proselitismo religioso contemporâneo); bem como o reconhecimento de que a coerção é incapaz de alterar a crença dos indivíduos.


Não é pretensão desse artigo esgotar o debate sobre tolerância como conceito, mas podemos afirmar que este mobilizou grandes discussões ao longo da história até o presente e, ainda hoje há quem o recuse como um princípio a ser divulgado.


Repensar a tolerância a partir dos Princípios da Tolerância, fundada no reconhecimento dos direitos universais da pessoa humana e das liberdades fundamentais do outro é imprescindível para a compreensão da tua valoração sócio jurídica nas sociedades plurais contemporâneas e, especialmente para a defesa dos povos de terreiro que vem sofrendo Racismo Religioso. É isso que pretendemos nos próximos artigos seriados.



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(1) QUINALHA, Renan. Contra a mera “tolerância” das diferenças. Cult, 24 fev.p.02. 2016. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/contra-mera-tolerancia-dasdiferencas/. Acesso em: 20 dez. 2022.


(2) LOCKE, John. Carta sobre Tolerância. Organização, introdução, revisão técnica, notas e comentários Flavio Fontenelle Loque. Tradução do latim Fábio Fortes e Wellington Ferreira Lima, tradução do inglês Flávio Fontenelle Loque. 1ª. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019.p.10.




Fabiana Netto - AxéNews

Fabiana Netto | Advogada

Mãe. Mulher Negra. Filha de Ìyàmi Osún. Ékèji no Hùnkpáme Dàn Húesú, localizado na Taquara (Jacarepaguá) e liderado pelo sacerdote do Candomblé Jeje Mahi, Mèjitó Cleber de Gbèsén. Neta de Gayakú Regina de Avimajè, sacerdotisa do Hùnkpáme Ayono Huntologi (Cachoeira, Bahia). Advogada. Assistente Social. MBA em Gestão Pública (ENAP/GOV). Gestora Pública, com vasta experiência em gestão de políticas públicas voltadas para os direitos humano-fundamentais, liberdade de crença e acolhimento de pessoas em situação de risco e/ou vulnerabilidade social. Líder Carioca e Líder Feminina na Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro. [+ informações de Fabiana Netto] 


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