Terreiros e seus processos de resistência - cada ano é uma rasura
- WR Express
- 11 de fev.
- 3 min de leitura
Por: Yakekere Katiuscia de Yemanjá

✅11/02/2025 | 15:43
Começo aqui com felicidade e muita reflexão. Falar das nossas vivências é um manejo de poder contar principalmente aos nossos o quanto nossa caminhada é bonita, é feliz e tem memórias.
Ao passo que queremos gritar ao mundo, “meus queridos, a gente constrói a história mais integra deste país”, existe uma força que nos lembra as manchas de dor, sangue e luta que fazemos para justamente manter nossos corpos vivos, firmes e podendo dizer, escrever e registrar que ainda estamos aqui, realmente estamos.
Eu sempre falo com vocês nos meus textos a partir do terreiro que me significa, o Ilê Axé Oba
Labi, faço isso não por mera vaidade, mas porque pretendo respeitar as múltiplas existências de axé e suas tradições, então, eu só posso dizer por este lugar, por esta vivência.
E mesmo a partir de um locus, faço porque tenho de fazer e porque sei que vamos nos encontrar em tantas coisas. Vocês já sabem que eu gosto de contar histórias então vamos começando a falar coisa séria a partir delas!
Este janeiro que traz consigo o dia de combate da intolerância religiosa, é o mesmo janeiro que honrosamente completaremos 10 anos desse grande quilombo-terreiro Òbá Labi. Sim estamos em festa, mas indubitavelmente também em luta.
É extremante intrigante como a palavra luta não sai do vocabulário nosso comunitário. A gente comemora lutando. Parece paradoxal, e acredito que é para ser, mas num mundo que foi inventado para ser universal, ser múltiplo é travar batalhas todos a os dias.
Mas o que tem a ver as comemorações de 10 anos com intolerância, e que tem ligação com
racismo, e finda na ideia de quanto tempo precisamos para valorizar nossa caminhada?
Vamos lá, é muito comum a gente valorizar o que tem peso histórico na linha cronológica euro
americana! E queria muito mesmo chamar vocês aqui para gente pensar no tempo. Tempo que eu já trouxe em outros texto. Tempo que é rasura estratégica na nossa continuação.
Cada território negro quando de levanta, tem tempo, porque tempo e orixá! E orixá plantado não conta tempo, conta memória circular, tal qual okoto de Exu, a grande ligação entre os tempos.
O tempo do ocidente impõem legitimação, o nosso tempo traz aprendizado. O tempo do ocidente decide quem é mais ou menos importante na curta e seletiva escala de preferência. O tempo nosso diz que mais velho é saber, é que mais novo é a continuidade.
Eu poderia passar metade de todo nosso pouco tempo ocidentocêntrico fazendo metáforas
filosóficos comparativas, mas eu preciso dizer a vocês: comemorem o seu tempo! Ele é mais que você, ele é mundo incontável de todas as memórias lutadas, suadas e tantas vezes divididas entre as dores e as alegrias da trajetória que você tá continuando.
O racismo tal qual o tempo cronológico, seleciona, diz quem merece a preferência. Diz que que tempo pode acabar, diz que continuidade é legítima de existir. É mesmo tempo que escraviza em nome de dinheiro, às custas das saúde, da busca por um sucesso.
Nesses 10 anos vivemos as maiores felicidades de nossas vidas e também as mais profundas dores. Vimos a comunidade crescer, mas também vimos ataques a ela, de bomba a ataque territorial.
Fizemos festas, rememorando nossos ancestrais, mas também saímos em luta por direitos sociais para não ficarmos tão vulneráveis. Vidas nasceram aqui, outras saíram esbravejando seu racismo e sua hegemonia.
Quero dizer que dentro de um tempo cronológico não cabe contagem de valorização e importância, pois seria impossível contar tudo o que vivemos, porque a gente é gente, gente tem histórias e nelas não comportam números.
E se formos precisar de números para sermos valorizados, precisaríamos pensar
O quanto desses números não chegam para que levantemos nossa dignidade, para que mantenhamos nossos projetos e nossas políticas sociais. Se formos falar em números, a gente nem existiria.
Que por cada 21 de janeiro, dia nacional de combate a Intolerância religiosa, a gente possa
celebrar nossos territórios de pé compartilhando seu tempo! Tempo que é sagrado e nunca nos deixou morrer.
Saúdo a todas casas ancestrais que com tempo vive e com tempo continuam.
Kabiesi, xangô!
Axé

Yakekere Katiuscia de Yemanjá
IYÁ Katiuscia de Yemanjá, mulher de terreiro, mãe, Yakekere do Rei Xangô, da família Òbá Labi, corpo-memória cabocla-nordestina ; forjada pela força e o afeto das muitas mulheres. “De anel no dedo e aos pés de Xangô”, mestre em linguagens pela UERJ, professora da educação básica pública e periférica, pesquisadora e defensora dos saberes ancestrais na diáspora. [+ informações de Yakekere Katiuscia de Yemanjá]
Redes Sociais de Yakekere Katiuscia de Yemanjá
Commentaires