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Saúde de Terreiro

Por: Rodrigo Carneiro - Babazinho

Foto: Nathi de Souza/Alma Preta Jornalismo / Alma Preta

30/08/2024 | 18:25


A saúde dos povos de matrizes africanas é uma questão de vital importância, não apenas para a preservação de suas culturas e tradições, mas também para a promoção de uma justiça social mais ampla e equitativa. Esses povos, guardiões de saberes ancestrais e de práticas intrinsecamente ligadas ao equilíbrio entre o ser humano e a natureza, enfrentam desafios únicos no que tange à saúde.



Tradicionalmente, no mês de agosto, as Unidades Territoriais Tradicionais (UTTs/Terreiros) se dedicam às práticas de cura do corpo e da alma. Nesse período, são realizados encontros semanais, em sua maioria às segundas-feiras, dia dedicado à divindade Omolu/Obaluwayiê, para a manutenção dos saberes tradicionais. A partir da oralidade, os mestres dos saberes ensinam as histórias e receitam o alimento sacralizado como remédio para todas as doenças. O processo de cura começa com o acolhimento da comunidade, onde cada membro partilha suas aflições e experiências, permitindo uma reflexão coletiva e individual. O deburú, também chamado popularmente de pipoca, é o grande protagonista, detentor do poder ancestral de condução para a cura. O banho de pipoca é a principal forma de utilização desse alimento, proporcionando bem-estar a todos que o utilizam. As africanidades compreendem e utilizam os alimentos como forma de manutenção das culturas tradicionais.


A culminância ocorre geralmente na última semana de agosto, após quatro semanas de fortalecimento físico e espiritual, nos festejos do banquete do Rei da Terra, o Olugbajé. Nesse banquete, são servidas pelo menos sete comidas tradicionais, que podem variar de acordo com cada tradição. As UTTs abrem suas portas para compartilhar com a comunidade seus sabores ancestrais e promover o bem-estar. O diálogo entre as necessidades da comunidade e o terreiro se estreita e se aprofunda durante a cerimônia do Sabejé. O asé dos ancestrais transforma a doença em cura, os problemas em solução, e a guerra em paz, a partir da troca do deburú por um valor simbólico financeiro. As cerimônias culturais ancestrais do Olugbajé e do Sabejé articulam diretamente com os problemas sociais encontrados na sociedade, principalmente em relação ao acesso à saúde de qualidade.


A interseção entre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e as mudanças climáticas destaca ainda mais a urgência de proteger e promover a saúde dessas comunidades tradicionais, reconhecendo seus saberes e fazeres ancestrais.


Os ODS, estabelecidos pela ONU, oferecem um plano global para alcançar um futuro mais sustentável, onde ninguém fique para trás. Entre as metas mais relevantes para a saúde dos povos de matrizes africanas estão aquelas relacionadas à erradicação da pobreza (ODS 1), à saúde e bem-estar (ODS 3), à igualdade de gênero (ODS 5) e à ação contra a mudança global do clima (ODS 13).


Para essas comunidades, a saúde é um conceito holístico, que integra aspectos físicos, mentais, emocionais e espirituais, profundamente ligados à terra, à ancestralidade e aos modos de vida tradicionais. No entanto, a crise climática impõe uma ameaça crescente a essa visão de saúde integral.


As mudanças climáticas impactam diretamente a saúde dos povos de matrizes africanas, que dependem de um ambiente equilibrado para o cultivo de suas plantas medicinais, para a caça, pesca e para a coleta de alimentos. A degradação ambiental, a escassez de recursos hídricos e a perda da biodiversidade ameaçam essas práticas tradicionais de saúde, que são fundamentais para o bem-estar dessas comunidades. Além disso, a vulnerabilidade social e econômica dessas populações, frequentemente marginalizadas e desprovidas de acesso adequado a serviços de saúde convencionais, amplifica os riscos à sua saúde e segurança alimentar.


Nesse contexto, proteger a saúde dos povos de matrizes africanas requer uma abordagem que leve em conta tanto a sabedoria ancestral quanto as metas globais de sustentabilidade. A integração dos saberes tradicionais com as estratégias de mitigação e adaptação às mudanças climáticas é crucial para garantir que essas comunidades possam continuar a viver de maneira sustentável e saudável. Isso inclui promover políticas públicas que reconheçam e valorizem os sistemas de saúde tradicionais, garantindo acesso a recursos naturais essenciais e preservando o conhecimento biocultural transmitido de geração em geração.


Além disso, a participação ativa dessas comunidades na implementação dos ODS é fundamental para assegurar que suas necessidades e perspectivas sejam plenamente consideradas. A inclusão de vozes indígenas e afrodescendentes nos debates sobre mudanças climáticas e saúde global é um passo crucial para a construção de soluções que sejam verdadeiramente inclusivas e sustentáveis.


Em suma, a saúde dos povos de matrizes africanas é uma questão que transcende o campo da saúde pública e se entrelaça com questões ambientais, sociais e culturais. A promoção de sua saúde é um imperativo para a justiça climática e para a realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, garantindo que essas comunidades possam continuar a florescer em harmonia com a natureza e com seus próprios valores ancestrais.



Rodrigo Carneiro - Babazinho - AxéNews

Rodrigo Carneiro - Babazinho

Rodrigo Carneiro - Babazinho (Iwin L'orun Egbe Tayó).

​Professor de biologia (Seeduc), Pedagogo, Mestre em ensino de ciências, ambiente e sociedade ( Uerj-Ffp) , especialista em educação étnico -racial ( Ufrrj), Sacerdote do Terreiro de Obatalá -Ile Omi Orun, fundador do Instituto Terreiro Sustentável.Atuo com educação ambiental popular de terreiro, cultura, sustentabilidade e saúde.  


Rede Social de Rodrigo Carneiro - Babazinho:


Telefone: 21 96722-2241

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