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Reflexões Umbandistas sobre a Umbanda, O Kimbanda e Lideranças de Terreiro

Por: Cláudio Zeferino

11/01/2022 | 10:58


Já algum tempo venho estudando as raízes Bantu do que chamamos de religião de Umbanda. Devemos refletir que nem mesmo a religião (o religare a Deus) cabe o uso diante da palavra Umbanda (a arte de curar), pois o que há é um Sistema Espiritual e Civilizatório que nos mantém em Contato com nossos Ancestrais. Quer resgatar a Umbanda antiga, se é que ela existe e por isso prefiro o uso do termo Makumba, é preciso que entender a tradição de um Povo. Para O Povo Bantu, tudo é sagrado e como tudo é Sagrado, o Homem nunca perdeu a sua ligação com Deus. Ou seja, ele não precisa da religião.



É com o pensamento nessas comunidades empobrecidas e faveladas, cercadas de fome e de violência que levo as minhas reflexões em direção ao papel social dos Lideres de Terreiro. Meu desejo é que esse papel social fosse espelhado nos antigos Kimbandas que atuavam, não apenas como curador/curandeiro, mas como um agente que com seu conhecimento conseguia sanar, e ainda sana as dores do corpo, da mente, das emoções e do espirito dos membros da sua comunidade. O Kimbanda cuida, protege, orienta e direciona os caminhos da comunidade que pertence, para que não sejam perdidas as referências com os ancestrais divinizados. Cabe lembrar que ser uma Kimbanda é ser um Líder diante do seu Povo. O que me trás a lembrança de um provérbio do Povo do Congo que diz assim: Liderança Perdida, Comunidade Oprimida! Acho que esse provérbio cabe bem na atual conjuntura social do País.



No Livro África Bantu há o seguinte relato: Nas sociedades do interior sudeste da Bacia do Congo, um tipo adicional de educação se desenvolveu nos últimos mil anos com o surgimento de associações voluntárias, também chamadas de sociedades secretas devido ao conhecimento hermético que transmitiam aos seus membros à medida que eles se graduavam, sucessivamente nos níveis superiores dessas sociedades.

Os membros da associação detinham um conhecimento que geralmente aumentava o seu status social. Os membros se tornavam mestres em suas especialidades. Sua experiência muitas vezes fornecia orientação nas áreas da espiritualidade, da história, da economia e da política. O seu conhecimento os unia e cultivava um senso de lealdade e de ação. Os membros da associação recebiam a hospitalidade da comunidade, status e proteção. Isso era especialmente útil quando estavam longe de casa. Ser um membro dessas associações facilitava a entrada em redes estabelecidas.


E hoje, qual o papel das Lideranças de Terreiro dentro da Umbanda? Estariam essas Lideranças alinhadas com as causas sociais e problemas existentes na comunidade onde estão inseridos? O conhecimento gerado por esses líderes abrem portas e geram oportunidades para sua comunidade?


Hoje as discussões giram em torno se a ritualística está certa ou errada, como se quem aponta o dedo fosse detentor de todo o conhecimento. Dentro do Terreiro, esse Líder poderia, por exemplo, cumprir o humilde papel de informar aos seus filhos de santo que dentro da casa em que ele está é certo e que fora dela não é errado e sim diferente, afinal não sabemos a quantidade de peixes existentes no Mar e muito menos a quantidade de estrelas no céu, esse seria um bom início do cumprimento do papel social do Líder do Terreiro tendo como base os antigos Kimbandas. Acho que isso se chama respeito ao próximo e à comunidade que ele pertence. Quem não respeita o fruto alheio, não respeita própria raiz. Se esse fruto fere a sua comunidade, ensine aos seus a distinguir o seu fruto do fruto alheio, e para ensinar isso não se faz necessário atacar a comunidade que difere da sua.



Hoje, em tempos de mídias agressivas, que de sociais não tem mais nada, alguns líderes passam mais tempo atacando desafetos pessoais, linchando quem pensa de forma diferente e se autopromovendo que a comunidade fica de lado, esquecida.

Viver em Terreiro é Viver em comunidade, a KANDA! *Kanda Muntu /Antes, a comunidade.* Ou seja, antes da glória pessoal se faz necessário a glória da comunidade. É aqui que começam os problemas desse Líder de Terreiro, que não possui o KIMBANDA como referência.


O primeiro é não entender ou não querer entender, o que é um Terreiro que tem a sua origem em um Sistema Espiritual e Civilizatório de Matriz Africana. A referência foi perdida quando os terreiros foram se tornando cada vez mais urbanos e “estar na função” se transformou em um simples ato de ficar na cantina. Ou seja, o convívio se resume ao momento das giras. Para o Líder de Terreiro Neo-Umbandista o Terreiro nunca foi e nunca será um espaço social, mútuo, simbólico e de resistência onde os Makumbeiros possam se reunir para equilibrar suas cabeças, seus corpos e suas emoções. Para o Líder Neo-Umbandista, Quilombo é local de escravos fujões. Ele não tem consciência de que um terreiro carrega uma representatividade ancestral, o Terreiro como Quilombo é um local de pouso, descanso e principalmente de resistência.


O segundo motivo é entender o real significado de ser um Líder de Terreiro. Se o termo Kimbanda não tivesse sido deturpado, acredito que o trajeto para se tornar um Líder de Terreiro teria sido diferente. Notem que não uso em nenhum momento os termos Tata ou Mameto, Babalorixá e Yalorixá, pois os reservo para quem os adquiriu de forma plena e dentro do processo ditado pelo tempo e não no curso!


Se quero ter os Kimbandas como referência e exemplo preciso entender que só existem duas formas de uma pessoa se tornar um Kimbanda, ou seja, alguém versado na umbanda (A arte da Cura, e por que não do Oráculo Divinatório). A primeira delas é ter um Kimbanda como antepassado e dele receber a Umbanda. Ou seja, seu ancestral irá guia-lo por onde caminhar, onde se estabelecer e com quem se orientar para despertar os conhecimentos que se encontram adormecidos dentro de você. A segunda forma é trabalhar diretamente com um Kimbanda e receber os ensinamentos. Em ambas as formas há a necessidade do convívio, da experimentação e da vivência. Não há curso que cubra isso!


Indo direto ao ponto eu defendo que só pode estar na posição de Líder de Terreiro quem, realmente possui esse compromisso traçado pela ancestralidade, porém isso não descarta a necessidade de estudo e orientação de um mestre em terra. Não há como ser um Kimbanda e não ter sido preparado por um Kimbanda. Não há como ser um Líder de terreiro sem ter sido preparado por um Líder de terreiro. Hoje a pessoa é Líder de um Terreiro e tem a coragem de dizer que foi preparada apenas pela “entidade” ou porquê já tem muito tempo de Umbanda (mas não necessariamente de Makumba) ou porquê não concorda com o atual dirigente.


Mesmo tendo o compromisso traçado pela ancestralidade, muitos julgam que apenas o estudo basta e descartam a orientação e a vivência de chão de terreiro vinda dos mais velhos e da comunidade de dentro e de fora do terreiro. Tornam-se assim cegos liderando cegos!


Ter os Kimbandas como exemplo é saber que Liderar um Terreiro é libertar a mente das pessoas de suas correntes, é curar os aflitos, dar comida para os famintos e liberdade para oprimidos. É saciar a sede de saber e dar direção para aqueles que se encontram confusos no meio da multidão. Liderar um Terreiro é saber lidar com uma combinação de esforços individuais que tem por finalidade realizar propósitos coletivos.


Não há como se tornar um Tata ou uma Mameto sem ter a consciência que o seu papel e sua responsabilidade estão além dos muros do Terreiro e que dentro dos muros o seu direcionamento não pode ser indefinido ou contraditório. Ter essa caminhada como exemplo e referência nos permite em pensar uma escola de sabedoria e iniciação dentro da grande tradição espiritual africana, algo que nos foi roubado e deturpado.


*Kanda Wakanda Mambu / A Liderança evita problemas na comunidade.*

Mas o que vemos hoje são lideres causadores de problemas e que se orgulham disso. Isso é contraditório as origens das lideranças espirituais Bantu.


Outro ponto importante é saber que o maior fardo para uma Mulher ou um Homem do Povo Bantu é não pertencer a uma comunidade, hoje vejo lideres exaltando a não necessidade de Terreiros. Como falar em resgate ancestral se não há entendimento sobre princípios que se desejam resgatar?


O Papel social dos Líderes de Terreiro deve ser revisto, redesenhado, falado e discutido. Não posso deixar de descartar que existem iniciativas, porém são mínimas e isoladas, e se assim são é porque não há articulação política, como já mencionei em outras reflexões feitas pois muitos consideram que “religião” e política não devem estar na mesma pauta. Porém vale lembrar que as mais diversas comunidades Bantu, que deram origem a grande massa do Povo Brasileiro e influencia praticamente todas as praticas religiosas de Matriz Afro existentes no Brasil, a política, a religião e o conhecimento ancestral estavam sempre interligados e se reforçavam mutuamente, pois acreditavam e acreditam que não há harmonia sem que haja compreensão do sistema espiritual e religioso de nossos anfitriões ou adversários.


Por fim chamo a atenção para o ponto que considero mais importante. Na caminhada de uma Kimbanda, antes mesmo ou em paralelo a todo ensinamento sobre feitiçaria, magia, conjuros, benzimentos, ervaria, unguentos, beberagens e todos os infinitos meios de cura existentes e possíveis, o caráter do iniciante era talhado todos os dias. *Não há a possibilidade de se tornar um Kimbanda e ser mau caráter, pois não há sakulupemba que limpe caráter sujo!* Acredito que esse seja o melhor exemplo a ser seguido!




Claudio Zeferino | AxéNews

Cláudio Zeferino

Cláudio Zeferino é professor universitário, mestre na área de Desenvolvimento Organizacional e especialista em Gestão de Instituições de Ensino. É mentor e orientador nas áreas de Comportamento, Relações Humanas e Operações. Pesquisador da cultura e ancestralidade do Povo Bantu e da Linha Africana e suas influências dentro da Makumba e da Umbanda [+ informações de Cláudio Zeferino]


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