Por: Gisele Rose

✅ 30/01/2025 | 11:57
O conceito de raça foi construído socialmente, apesar de estar ligado, ainda, a aspectos biológicos, como cor da pele e tipo de cabelo. Esse é o fator que irá perdurar até os dias de hoje, razão pela qual, ao pensarmos sobre nosso país, é impossível não perceber que a ideia de raça, aplicada ao racismo, faz parte de nossa estrutura. Ao trilhar o caminho rumo ao entendimento de como a discussão sobre raça é forjada dentro da perspectiva que marca socialmente sujeitos e existências, é necessário compreender que:
Convém explicitar que raça aqui é entendida como noção ideológica, engendrada como critério social para distribuição de posição na estrutura de classes. Apesar de estar fundamentada em qualidades biológicas, principalmente a cor da pele, raça sempre foi definida no Brasil em termos de atributo compartilhado por um determinado grupo social, tendo em comum uma mesma graduação social, um mesmo contingente de prestígio e mesma bagagem de valores culturais (SOUZA, 1983, p.20).
Ao pensarmos sobre racismo no Brasil, um dos pontos de partida seria o fato de que, ao falarmos sobre o assunto, a maioria da população acredita que essas práticas são naturais e não conseguem distinguir certas ações (GONZALES, 1984), por isso o racismo faz parte da nossa estrutura social e está tão enraizado que consegue ir se modificando de forma rápida:
O racismo é revelado em um nível estrutural, pois pessoas negras e People of Color estão excluídas da maioria das estruturas sociais e políticas. Estruturas oficiais operam de uma maneira que privilegia manifestadamente seus sujeitos brancos, colocando membros de outros grupos racializados em desvantagem visível, fora das estruturas dominantes (KILOMBA, 2019, p. 77).
Com base em nossas construções históricas e sociais, podemos afirmar que o racismo em nosso país se apresenta de forma estrutural, ou seja, está tão enraizado que para alguns ele sequer existe, pois torna invisível as diferenças, “naturalizando” tudo aquilo que deveria ser contestado.
Pensar sobre identidades é pensar sobre diferenças (e não em igualdades como comumente observamos), é pensar que estas diferenças estão entrelaçadas e precisam de algum modo se tornarem visíveis. O conceito de identidade refere-se ao pertencimento dos sujeitos com relação a um determinado grupo social, a partir de afinidades culturais, históricas e linguísticas. Exemplo do processo de construção de identidade – que se dá em âmbito coletivo e individual, simultaneamente – ocorre já na escola. Ao observar crianças e adolescentes durante o cotidiano escolar, podemos perceber a importância da afetividade para gerar identidades. No processo de construção identitária, é necessário compreender e valorizar as características que nos tornam diferentes, pois a diferença faz parte deste processo como protagonista já que, sem ela, criamos padrões que se tornam normalizados.
O pensar sobre identidade está sendo extensamente discutido na teoria social (HALL, 2002), pois a abordagem analítica por meio do conceito de identidade é uma ferramenta importante para a análise da sociedade e pode se dar através de construções teórico-conceituais interdisciplinares, incluindo: Sociologia, Antropologia, Geografia, Psicologia, Economia, Ciência Política e Filosofia.
Consciente ou inconscientemente, percebemos que identidades foram invisibilizadas pelo Estado brasileiro que, apesar de possuir uma legislação específica, em alguns casos ainda não consegue potencializar a implantação de ações afirmativas de reconhecimento e valorização da construção de identidades negras. Há uma diversidade dentro da unidade humana que precisa ser potencializada por não ser normalizada.
No caso da identidade negra, a diversidade de experiências, atitudes e vivências que a constroem está entrelaçada a um atributo condicionante e limitante: a unidade biológica. A identidade negra é marcada por uma construção racializada do Ser, dada a partir de critérios eurocêntricos e padrões de normalização orientados pelos sujeitos brancos. No entanto, continua sendo diversa a partir da multiplicidade das existências.
As identidades modernas estão sendo descentradas, pois as sociedades modernas no final do século XX estão fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade (HALL, 2002). Os sujeitos não apresentam uma única identidade, mas várias, por vezes contraditórias ou mal definidas. Essas identidades não são essenciais, unificadas ou permanentes, mas sim, são construídas por processos histórico-culturais, portanto, dinâmicas.
Por isso é que perdemos tanto na afirmação generalizante de que somos todos humanos como se fôssemos todos iguais. Um dos efeitos dessa máxima foi padronizar todos os pormenores envolvidos no fato de ser humano e fazer com que deixássemos de lado todas as diferenças que compõem cada indivíduo dentro de sua humanidade – secundarizamos justamente elas, as diferenças, que nos tornam únicos em nossas subjetividades. No que tange essas identidades múltiplas, pensar sobre corpos diversos inseridos num meio social é também pensar na multiplicidade de ações e saberes que podem ser criados e utilizados para o fortalecimento de indivíduos como potências.
Referências
GONZALEZ, Lélia. Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, ANPOCS, Brasília, v.2, 1984, p. 223-244.
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: Episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. 1ª ed. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.
SOUZA, Neusa Santos. Tornar-se negro: as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. Rio de Janeiro: Edição Graal, 1983.

Gisele Rose
Filósofa e escritora. Professora da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ). Mestra em Relações étnico raciais pelo Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET-RJ), Especialista em Energia e Sociedade no Capitalismo Contemporâneo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Graduada em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)... [+ informações de Gisele Rose]
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