Por: Rodrigo Carneiro - Babazinho

21/10/2024 | 08:55
Nos últimos anos, o planeta tem vivenciado uma crescente onda de desastres ambientais, com incêndios florestais, ondas de calor extremo, secas severas e mudanças drásticas nos padrões climáticos. A expressão "o planeta está pegando fogo" não é apenas uma metáfora, mas uma realidade palpável que reflete a gravidade da crise ambiental que vivemos. Esses eventos impactam diretamente a vida de todos os seres humanos, mas os povos tradicionais de matrizes africanas sofrem de maneira única e profunda com as consequências dessa degradação ambiental.
Os povos tradicionais de matrizes africanas, em particular aqueles ligados aos
terreiros e comunidades quilombolas, têm uma relação intrínseca com a
natureza. Seus saberes e fazeres ancestrais são profundamente enraizados no
equilíbrio dos ecossistemas e no respeito aos ciclos naturais. As florestas, rios,
plantas e animais possuem não apenas um valor de subsistência, mas também
espiritual, cultural e medicinal. Quando o meio ambiente é devastado, não apenas
o sustento material dessas comunidades é ameaçado, mas também sua
cosmovisão e a continuidade de práticas culturais e religiosas.
Impacto na Sustentabilidade e na Soberania Alimentar
As mudanças climáticas afetam diretamente a agricultura tradicional e a coleta de
plantas medicinais e alimentícias, que muitas dessas comunidades utilizam em
seu cotidiano. As PANCs (Plantas Alimentícias Não Convencionais), por exemplo,
amplamente utilizadas pelos povos tradicionais, estão ameaçadas por incêndios
florestais e mudanças no regime de chuvas, comprometendo a soberania
alimentar dessas populações. Além disso, as práticas agrícolas sustentáveis,
como a roça tradicional, que respeitam o tempo da terra, são desestruturadas por
secas prolongadas e tempestades fora de época.
Ameaça ao Território e ao Conhecimento Ancestral
Os incêndios florestais, muitas vezes agravados pela exploração ilegal de recursos
naturais e pelo desmatamento desenfreado, representam uma ameaça direta ao
território dessas comunidades. Para os povos de matrizes africanas, o território vai
além do espaço físico; é o lugar onde residem seus ancestrais, onde ocorrem os
rituais sagrados e onde se mantém viva a memória coletiva. Quando o território é
destruído pelo fogo ou pela exploração ambiental, há uma perda irreparável de
conhecimento ancestral, pois muitas práticas religiosas e culturais estão
intimamente ligadas a esses espaços naturais.
Desafios à Saúde e ao Bem-estar
A crise climática também afeta a saúde física e emocional dos povos tradicionais.
A fumaça dos incêndios, o calor excessivo e a escassez de água potável trazem
desafios à saúde dessas comunidades, que muitas vezes já enfrentam
dificuldades de acesso aos serviços de saúde convencionais. Além disso, a
destruição ambiental impacta diretamente as práticas de cura tradicionais,
baseadas no uso de ervas e elementos naturais, desequilibrando ainda mais o
sistema de bem-estar dessas populações.
Resistência e Saberes Ancestrais como Solução
Apesar das adversidades, os povos tradicionais de matrizes africanas continuam a
resistir. Seus saberes ancestrais, transmitidos de geração em geração, carregam
importantes lições sobre resiliência, manejo sustentável dos recursos naturais e a
importância de viver em harmonia com o meio ambiente. Suas práticas, como a
agroecologia e o respeito aos ciclos da natureza, podem servir de guia para a
humanidade enfrentar a crise ambiental global. O movimento de proteção e
valorização dos saberes bioculturais, cada vez mais fortalecido, destaca que a
preservação da natureza e das culturas tradicionais andam de mãos dadas.
Para enfrentar a crise climática, é fundamental que as vozes dos povos
tradicionais de matrizes africanas sejam ouvidas e suas práticas respeitadas e
integradas nas políticas de preservação ambiental. Afinal, enquanto o planeta
"pega fogo", eles detêm parte das chaves para reconstruir um mundo mais
equilibrado e sustentável.

Rodrigo Carneiro - Babazinho
Rodrigo Carneiro - Babazinho (Iwin L'orun Egbe Tayó).
Professor de biologia (Seeduc), Pedagogo, Mestre em ensino de ciências, ambiente e sociedade ( Uerj-Ffp) , especialista em educação étnico -racial ( Ufrrj), Sacerdote do Terreiro de Obatalá -Ile Omi Orun, fundador do Instituto Terreiro Sustentável.Atuo com educação ambiental popular de terreiro, cultura, sustentabilidade e saúde.
Rede Social de Rodrigo Carneiro - Babazinho:
Telefone: 21 96722-2241
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