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O Canto que Cura: A Força da Musicalidade e a Sacralização dos Instrumentos no Candomblé

  • Foto do escritor: WR Express
    WR Express
  • 5 de mai.
  • 4 min de leitura

Por: Ìyáloriṣá Élida Ti Ọya

05/05/2025 | 18:05


No Candomblé, a música não é apenas parte do ritual ela é o próprio ritual em movimento. A musicalidade é um fio ancestral que conecta mundos, pessoas e divindades. E dentro dessa linguagem sagrada, estão os instrumentos, cada um com sua ritualística, sua força e seu axé. Nada se toca no Candomblé sem respeito. Antes de vibrar som, é preciso vibrar reverência.


Os cânticos sagrados, entoados em línguas africanas como iorubá, Fongbé e Bantu, são orações que despertam os Orixás, invocam suas presenças e transmitem os ensinamentos da tradição. São expressões de fé, identidade e resistência que têm papel central nas cerimônias, desde os ritos mais simples até os mais complexos. Mas para que esses cantos ecoem com toda a força, é necessário o apoio de uma percussão igualmente sagrada.



A Sacralização dos Instrumentos

No Candomblé, não se toca sem preparar. Cada instrumento precisa ser sacralizado antes de cumprir sua função ritualística. Isso significa que ele deve passar por um processo de lavagem com folhas sagradas (omi ewé), ser ungido com elementos litúrgicos, e ser apresentado ao assentamento dos Orixás e aos ancestrais. Só então ele carrega o axé necessário para vibrar no mundo material.


Entre os instrumentos mais centrais estão os atabaques: rum, rumpi e lê. Cada um tem função específica e, o mais importante, carrega o Axé de um Orixá. Isso quer dizer que o instrumento é consagrado à energia de uma divindade específica, que passa a habitar sua vibração. O rum, por exemplo, pode carregar o Axé do Orixá da casa; conforme a tradição e a nação do terreiro.


Tocar um atabaque é invocar um Orixá. Por isso, o ogã que assume esse lugar não é apenas músico: ele é iniciado, consagrado e preparado para lidar com o sagrado através do som.


Além dos atabaques, há uma diversidade de instrumentos que compõem o corpo sonoro do Candomblé, todos com funções específicas e sacralizações próprias:


Aguidavi: baqueta sagrada que toca o atabaque, também sacralizada como extensão da mão do ogã.


Agogô: sino metálico, de som agudo, com uso específico em toques de invocação.


Xequerê e Adjá: instrumentos de vibração rítmica e chamamento, com uso forte nos rituais de movimentação e saudação.


Gã: sino de ferro que vibra no agudo metálico, ativando presenças específicas, muitas vezes ligado a Ogum.


Xerém: instrumento de madeira utilizado ou percussão, com vibração específica para determinadas entidades e momentos.


Kalacolo- instrumento de som grave e vibrante, tocado em situações cerimoniais mais densas.


Chifres de boi e chifre de búfalo: instrumentos tocados entre si, emitindo som ancestral e profundo. Utilizados para chamar a força do Orixá, são invocados com grande respeito.


Porrões: instrumentos de barro, usados para evocar forças ligadas à terra e ao segredo.


Abanos: usados como objetos sonoros e de movimento, ativando energias com leveza e precisão.


Cabaças: utilizadas de forma percussiva carregadas de axé após sacralização.


Bambus: vibram sons ocos e secos, sendo utilizados em rituais de marcação, especialmente em tradições específicas.


Cada instrumento é tratado como um corpo sagrado. Seu uso exige iniciação, preparo e respeito. São lavados, alimentados e mantidos com zelo. Manuseá-los sem consagração é profanar um elo direto com o divino.


A Música como Caminho da Presença Divina

A força do canto e do toque prepara o corpo para o transe. A incorporação não é acaso é fruto de uma construção vibracional que envolve corpo, tempo, folha e som. O Orixá sente a música. Ele responde ao ritmo, ao toque que fala sua língua. Quando o cântico certo é entoado e o instrumento consagrado vibra, o Orixá dança sobre a Terra.


Essa música também é cura. Ela fortalece o corpo, clareia a mente, alimenta o espírito. Ela nos cura porque nos reconecta com nossa ancestralidade. Ao tocar ou ouvir, nos religamos ao axé de onde viemos.


A musicalidade no Candomblé é fundamento. Cada toque é um código sagrado. Cada canto, uma reza viva. Cada instrumento, um corpo ancestral. Não há som sem axé. E é por ela, pela música, pelos cantos, pelos toques, que os Orixás se fazem presença entre nós.


É por ela que os Orixás dançam sobre a Terra.

E é por ela que nós, filhos e filhas de santo, seguimos firmes, embalados pela tradição, pelo respeito e pela força do toque sagrado.




Ìyáloriṣá Élida Ti Ọya - AxéNews

Ìyáloriṣá Élida Ti Ọya

Sacerdotisa do Àṣẹ Alákétu Aìyè Afẹ́fẹ́, onde promove os valores, cultos e saberes ancestrais das tradições afro-brasileiras. Com uma trajetória dedicada à cultura e à religiosidade de matriz africana, ela atua como Coordenadora de Comunicação da confraria Oloyá’s e ocupa o cargo de Coordenadora Geral do evento Awo, onde contribui para a valorização e visibilidade das práticas religiosas no espaço público. Além disso, Ìyáloriṣá Élida é assessora do projeto Melodias de Terreiro, uma iniciativa voltada para a preservação do povo de terreiro. Escritora e acadêmica da APALARJ (Academia  Pan-americana de Letras e Arte do Rio de Janeiro). [+ informações de Ìyáloriṣá Élida Ti Ọya]



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Artigo de Opinião: texto em que o(a) autor(a) apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretações de fatos, dados e vivências. ** Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do AxéNews.


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