Por: Dr. Aurélio de Odé, Babalorixá

✅ 03/02/2025 | 05:59
Antes de abordar a importância do bode e da criação da Rota do Bode, é fundamental trazer uma reflexão sobre o respeito, o cuidado com o bem-estar animal e a higiene antes da sacralização ou do abate dentro das comunidades tradicionais de matriz africana. Esses princípios são a base para compreendermos como o bode, assim como outros animais, é tratado com dignidade e inserido em um ciclo sustentável que respeita a vida e a natureza.
Ao unir esses dois temas, destaco não apenas a necessidade da Rota do Bode como um
projeto estratégico para nossas comunidades, mas também reafirmo que nossa tradição
não compactua com maus-tratos ou práticas desumanas. O bode é um elemento sagrado
dentro de nossos ritos, e sua utilização segue preceitos de respeito, espiritualidade e
sustentabilidade. Assim, ao mesclar esses dois textos, trago uma visão ampla sobre o papel
essencial desse animal em nossa tradição, tanto no aspecto ritualístico quanto na
preservação do equilíbrio entre o sagrado e o meio ambiente.
Respeito, cuidado e bem-estar animal nas comunidades tradicionais de matriz
africana
O respeito à vida e à natureza é um dos princípios fundamentais das comunidades
tradicionais de matriz africana. Diferente da visão ocidental de consumo em massa, onde os
animais são frequentemente tratados como simples mercadorias, nossas tradições
preservam uma relação de profundo respeito com cada ser vivo. No contexto dos rituais e
obrigações, esse respeito se manifesta no cuidado, na higiene e no bem-estar do animal
antes de ser sacralizado ou abatido, garantindo que todo o processo seja realizado com
dignidade, consciência e conexão espiritual.
O princípio do respeito à vida
Nas religiões de matriz africana, os animais não são sacrificados de maneira aleatória ou
sem propósito. Cada oferenda tem um significado espiritual profundo, representando um elo
entre o ser humano, os Orixás, Voduns e Inkices, e as forças naturais. Esse entendimento
implica que o animal deve ser tratado com zelo desde o seu nascimento até o momento da
sacralização, pois ele é um ser que carrega axé e contribui para a harmonia entre o sagrado
e o humano.
O bem-estar do animal antes de sua passagem é essencial para que o ritual seja conduzido
de forma correta. O animal deve estar saudável, bem alimentado e livre de qualquer
sofrimento desnecessário. Isso não é apenas uma exigência espiritual, mas também uma
prática de humanidade e equilíbrio, refletindo o respeito que temos pela vida e pela
natureza.
Cuidado e higiene antes da sacralização
Antes de ser utilizado em um ritual, o animal passa por um processo de preparação que
envolve práticas de higiene e bem-estar, garantindo que ele esteja em condições dignas.
Algumas das práticas mais comuns incluem:
Alimentação adequada – O animal deve ser bem nutrido, garantindo que esteja forte e
saudável, sem sinais de doenças ou fraqueza.
Ambiente limpo e adequado – O local onde o animal é mantido deve ser higiênico, com
espaço suficiente para seu bem-estar, livre de estresse e maus-tratos.
Higienização prévia – Antes do ritual, o animal pode ser lavado e preparado, evitando
qualquer contaminação ou sujeira que possa comprometer a sacralização.
Respeito ao ciclo natural – Não se sacrifica um animal indiscriminadamente. Existe um
momento certo, determinado por preceitos religiosos e pelo conhecimento dos mais velhos,
que sabem reconhecer os sinais dqa natureza e do próprio animal.
Essas práticas garantem não apenas o respeito ao animal, mas também a qualidade do
ritual e a segurança da comunidade, já que o uso de um animal saudável evita riscos
sanitários e reforça a conexão espiritual.
Bem-estar animal e a sustentabilidade na tradição
As comunidades tradicionais entendem o papel dos animais dentro do ciclo da vida e da
espiritualidade. Esse entendimento se reflete em práticas sustentáveis que diferem
completamente das formas cruéis e industriais de abate praticadas no mundo moderno.
Não há desperdício – Todas as partes do animal são aproveitadas, desde a carne até o
couro, ossos e vísceras. Isso garante que o ciclo natural seja respeitado e que a vida do
animal não tenha sido tirada em vão.
Devolução à natureza – O que não é utilizado é devolvido à terra, alimentando outros seres
vivos e enriquecendo o solo, fechando o ciclo ecológico e espiritual.
Sacralização consciente – O ato de oferecer um animal não é banal. Existe um processo
ritualístico que envolve cantigas, rezas e agradecimentos, garantindo que a energia do
animal seja conduzida de forma respeitosa para o seu novo destino.
Oposição às práticas cruéis e à visão distante da Natureza
É importante destacar que as religiões de matriz africana não compactuam com maus-tratos
ou descaso com os animais. Diferente da indústria da carne, que abate milhões de animais
sem qualquer consideração por sua vida ou sofrimento, nossas tradições mantêm uma
relação de respeito e responsabilidade com cada ser vivo.
Aqueles que criticam os ritos tradicionais muitas vezes desconhecem a realidade cruel dos
frigoríficos e da agroindústria, onde os animais são tratados como objetos descartáveis,
sem qualquer dignidade. Nossa tradição, por outro lado, enxerga cada animal como parte
de um ciclo natural, onde a morte não é um fim brutal, mas sim uma transição sagrada e
necessária para a manutenção do equilíbrio da vida.
Conclusão: o sagrado na relação com os animais
Cuidar do bem-estar animal antes da sacralização é um princípio fundamental das
comunidades de matriz africana. Esse cuidado não apenas garante o respeito pelo animal,
mas também fortalece o axé do ritual, mantendo a harmonia entre a humanidade, os Orixás
e a natureza.
O compromisso das comunidades tradicionais é com a vida, com o equilíbrio e com a
ancestralidade. Seguimos preservando e ensinando essas práticas, garantindo que o
respeito e a sacralidade dos nossos ritos permaneçam vivos para as futuras gerações.
O Cabrito: pilar sagrado dos rituais e a urgência da rota do bode
Nas comunidades tradicionais de matriz africana, cada elemento possui um significado
profundo e indispensável dentro dos rituais e obrigações. O cabrito, em especial,
transcende sua simples presença física e se torna um elo entre o sagrado e o humano,
carregando consigo o axé necessário para diversas passagens e cerimônias fundamentais
à manutenção da espiritualidade, do equilíbrio e da continuidade das tradições.
O cabrito nos rituais de passagem e obrigações
Os rituais de passagem marcam momentos cruciais dentro da caminhada espiritual de um
iniciado. A iniciação, o assentamento de Orixás, os rituais de confirmação e outras
cerimônias exigem oferendas que garantam o fortalecimento do vínculo entre o devoto e as
forças ancestrais. O cabrito se insere nesse contexto como um dos mais importantes
elementos de sacralização, carregando e redistribuindo o axé necessário para o equilíbrio e
a prosperidade.
Além dos rituais iniciáticos, o cabrito se faz presente em diversas obrigações periódicas e
cerimônias de reafirmação do compromisso com os Orixás, Voduns e Inkices. Seu valor não
se limita à oferenda em si, mas também à energia vital que movimenta o ciclo do dar e
receber, estabelecendo um equilíbrio essencial entre a comunidade, o sagrado e a
natureza.
O cabrito e a sustentabilidade na Tradição
Diferente da lógica do desperdício da sociedade moderna, nas comunidades tradicionais
tudo tem um propósito e um destino. O cabrito, além de sua importância ritualística, é um
exemplo perfeito de sustentabilidade, pois todas as suas partes são aproveitadas dentro do
ciclo natural da vida.
O ejé, o sangue animal, ocupa um lugar central nas práticas rituais das comunidades de
matriz africana. Ele é o portador do axé, a força vital que permeia todas as coisas e
estabelece a ligação entre os seres humanos, os Orixás, Voduns, Inkices e os ancestrais.
No entanto, o entendimento sobre o ejé vai muito além da sua materialidade – ele carrega
um mistério sagrado,a certeza da vida que exige respeito e profundo conhecimento para ser
manipulado corretamente.
Compreendemos que o sangue é a energia vital que anima os corpos e mantém o equilíbrio
da existência. Quando um animal é sacralizado dentro de um ritual, seu sangue não é
derramado de forma banal, mas conduzido de maneira sagrada para alimentar os Orixás e
reforçar os laços entre o humano e o divino.
A presença do ejé nas obrigações é essencial para a renovação do axé, pois ele recarrega,
fortalece e reestabelece o equilíbrio espiritual de uma pessoa, de um assentamento ou de
toda uma comunidade. Dessa forma, o sangue animal transcende a visão simplista de um
mero líquido vital e se torna um elo entre dimensões, um canal de comunicação com as
forças sagradas.
A manipulação do ejé dentro dos rituais exige um profundo respeito, transmitido apenas
entre aqueles que foram devidamente iniciados e preparados para compreender seus
significados e usos. Esse conhecimento não é uma mera convenção, mas uma necessidade
espiritual, pois o ejé carrega mistérios que, se expostos de forma indevida ou utilizados sem
o devido entendimento, podem comprometer o equilíbrio da energia envolvida.
Em tempos de desinformação e ataques às nossas tradições, é fundamental reafirmar que a
sacralização de animais nas religiões de matriz africana é frequentemente mal interpretada
por aqueles que desconhecem seus fundamentos. No entanto, ao contrário da exploração
cruel da indústria agropecuária, onde milhões de animais são abatidos sem qualquer
respeito ou sentido sagrado, nas nossas comunidades, cada sacralização é feita com
consciência, responsabilidade e profundo respeito pelo ciclo da vida.
O uso do ejé dentro dos rituais também se insere no ciclo natural da existência. O sangue,
assim como as outras partes do animal, é devolvido à terra de forma respeitosa,
fortalecendo o solo e alimentando outros seres vivos dentro de um processo sustentável.
Esse ciclo reflete a visão ancestral de que nada na natureza se perde, tudo se transforma, e
de que a sacralização de um animal não é um ato de desperdício, mas sim um momento de
conexão com o divino e com a própria vida.
O ejé é um dos maiores fundamentos das comunidades tradicionais de matriz africana, e
seu uso exige respeito e conhecimento. Ele não é apenas um fluido biológico, mas a
manifestação do axé em sua forma mais pura, sendo fundamental para os rituais, as
obrigações e a manutenção do equilíbrio espiritual.
A sacralidade do ejé é um reflexo do nosso compromisso com o axé, com o sagrado e com
a perpetuação dos mistérios que sustentam nossa fé.
O couro é utilizado para confecção de vestimentas, atabaques e outros instrumentos
sagrados.
Os ossos podem ser aproveitados em pós para proteção, saúde dentre outros fins,utensílios
e adornos, além de servirem para a produção de farinha de osso, rica em cálcio e utilizada
na agricultura.
As vísceras são elementos fundamentais em oferendas e rituais específicos.
Os xaropes e preparos medicinais derivados de partes do animal são utilizados em práticas
curativas ancestrais.
Além disso, os restos do cabrito voltam à natureza, mantendo o equilíbrio ecológico: urubus
e gaviões se alimentam do que sobra, e a matéria orgânica em decomposição fertiliza o
solo, gerando capim que, por sua vez, será o alimento de novos cabritos. Esse ciclo natural
é a verdadeira expressão da harmonia entre o homem, o sagrado e o meio ambiente.
Os benefícios da carne de cabrito para a saúde
Estudos indicam que a carne de cabrito é uma das proteínas mais saudáveis disponíveis
para o consumo humano. Comparada a outras carnes, ela apresenta:
Seu consumo pode ajudar na construção muscular, manutenção do sistema imunológico e
prevenção da anemia.
Baixo teor de gordura – Menos gordura saturada em relação à carne bovina e suína,
tornando-se uma excelente opção para quem busca uma alimentação equilibrada.
Alto teor proteico – Rica em proteínas essenciais para a construção muscular e
regeneração celular.
Fonte de ferro e vitaminas do complexo B – Auxilia na prevenção da anemia e fortalece o
sistema imunológico.
Menos colesterol – Estudos apontam que a carne de cabrito tem menores índices de
colesterol em comparação a outras carnes vermelhas, sendo mais benéfica para a saúde
cardiovascular.
Dentro da tradição, o consumo da carne de cabrito não é apenas um ato alimentar, mas
uma reafirmação da conexão entre o homem e a natureza, fortalecendo o ciclo da vida e o
respeito aos ensinamentos ancestrais.
Carne de cabra cozida
Valor calórico
486 kcal
Quantidade:
1 Porção
pedaço (340,0 g) gramas
Informações nutricionais
por porção:
Valor calórico:
486 kcal 2.036 kJ
Gordura 10,3 g
Gorduras saturadas 3,2 g
Gorduras monoinsaturadas 4,6 g
Gorduras poliinsaturadas 0,8 g
Carboidratos 0,0 g
Açúcares 0,0 g
Proteína 92,1 g
Fibra alimentar 0,0 g
Colesterol 255,0 mg
Sódio 0,3 g
Água 231,9 g
Vitaminas
por porção:
Vitamina A 0,0 mg
Vitamina B1 0,3 mg
Vitamina B11 < 0,1 mg
Vitamina B12 < 0,1 mg
Vitamina B2 2,1 mg
Vitamina B3 13,4 mg
Vitamina B5 0,0 mg
Vitamina B6 0,0 mg
Vitamina C 0,0 mg
Vitamina D 0,0 mg
Vitamina E 1,2 mg
Vitamina K < 0,1 mg
Minerais
por porção:
Cálcio57,8 mg
Cobre1,0 mg
Ferro12,7 mg
Magnésio0,0 mg
Manganês0,1 mg
Fósforo683,4 mg
Potássio1.377,0 mg
Selênio< 0,1 mg
Zinco17,9 mg
Calorias detalhadas:
Carboidratos 0,0 %
Proteína 79,8 %
Gordura 20,2 %
A necessidade da rota do bode: um projeto estrutural para as comunidades
tradicionais
Como coordenador executivo do FONSANPOTMA, entendo que a valorização dos
elementos essenciais para as nossas tradições precisa ir além dos terreiros, alcançando
políticas públicas e estruturais que garantam a manutenção e sustentabilidade das práticas
tradicionais. Dentro desse contexto, nasce a proposta da Rota do Bode, um projeto
fundamental que visa fortalecer a produção, distribuição e o reconhecimento do cabrito
como um patrimônio cultural e econômico das comunidades tradicionais.
A Rota do Bode tem como objetivos principais:
1. Garantia de abastecimento sustentável – Criar uma cadeia de produção e fornecimento
que respeite os princípios da agroecologia e do bem-estar animal, assegurando que as
comunidades tenham acesso contínuo e digno ao cabrito.
2. Fomento à economia comunitária – Incentivar criadores tradicionais, quilombolas e
pequenos produtores a integrarem um circuito sustentável, gerando renda e autonomia
econômica.
3. Valorização cultural e reconhecimento jurídico – Lutar pelo reconhecimento do cabrito
não apenas como um item comercial, mas como um bem cultural de extrema importância
para a identidade e a religiosidade das comunidades de matriz africana.
4. Criação de políticas públicas voltadas às práticas tradicionais – Inserir a Rota do Bode
nas pautas de políticas públicas para garantir financiamento, apoio técnico e infraestrutura
para as comunidades envolvidas.
O FONSANPOTMA como protagonista da mudança
O FONSANPOTMA se posiciona como um dos principais articuladores desse projeto,
mobilizando lideranças, comunidades e gestores públicos para a viabilização dessa rota.
Acreditamos que o fortalecimento das nossas tradições passa necessariamente pelo
respeito aos nossos ritos e pelo suporte estrutural às nossas práticas.
A luta pelo reconhecimento do cabrito como um elemento vital dentro das obrigações das
comunidades tradicionais não é apenas uma questão de identidade religiosa, mas também
de resistência, sustentabilidade e autonomia. A Rota do Bode surge como um caminho para
que nossas tradições não apenas sobrevivam, mas prosperem com dignidade e respeito.
Que essa jornada seja abençoada por Odé, que conhece o caminho da caça e nos ensina a
buscar o que nos fortalece. Que os ventos de Oyá soprem para abrir caminhos e que todas
as forças ancestrais nos guiem nessa missão.

Dr. Aurélio de Odé, Babalorixá
Eu sou Paulo Aurélio Carvalho Lopes, nasci em 12 de agosto de 1968, em Simões, Piauí. Sou o primogênito de uma família de seis irmãos, criado por minha mãe solo, Maria do Socorro Carvalho e o apoio de meus avós Dona Maria e Seu José... [+ informações do Dr. Aurélio de Odé, Babalorixá]
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