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Iemanjá: a rede que nos conecta e o mar que nos embala

Por: Joana Bahia



02/02/2025 | 11:10


“Abracei o mar na Lua cheia, abracei

Abracei o mar

Abracei o mar na Lua cheia, abracei

Abracei o mar

Escolhi melhor os pensamentos, pensei

Abracei o mar

É festa no céu, é Lua cheia, eu sonhei

Abracei o mar

E na hora marcada, Dona Alvorada chegou para se banhar

E nada pediu, cantou para o mar (e nada pediu)

Conversou com o mar (e nada pediu)

O dia sorriu

Uma dúzia de rosas, cheiro de alfazema, presentes eu fui levar

E nada pedi, entreguei ao mar (e nada pedi)

Me molhei no mar (e nada pedi)

Só agradeci

Abracei o mar na Lua cheia, abracei

Abracei o mar

Abracei o mar na Lua cheia, abracei

Abracei o mar”

Música Agradecer e abraçar interpretada por Maria Bethânia.



A letra fala de todos os elementos que nos conecta a Iemanjá, mesmo que em nenhum momento seu nome seja dito, mas o mar que nos une, a lua, o perfume e o sentimento de gratidão e de afeto ali estão. Muito nos diz, sem precisar enunciar.


A musicalidade traz Iemanjá para si em canções, que circulam desde a primeira república até os dias de hoje, nos femininos que abrigam este personagem e que nos são uma inspiração constante. A formação de uma rede de trocas musicais entre os membros da religião que também eram músicos e atuavam no campo artístico e fonográfico da época, em especial na Primeira República.


No início do mercado fonográfico carioca, muitos artistas angariavam espaço, reconhecimento e prestígio profissional, além de viabilizarem canais para a comunicação de seus vínculos identitários, expressando sua visão religiosa, com o mercado fonográfico em construção, expressando, a partir de uma linguagem irônica e satírica, seus conflitos, seus amores, sua malandragem, sua nacionalidade e sua religiosidade.


A busca de inspiração no universo afro-religioso para compor músicas populares que seriam gravadas e recorrente desde o início do processo fonográfico no Rio de Janeiro, em 1902, demarcando “o quanto os cultos afro-brasileiros não se mantinham apartados da sociedade em geral, mas ao contrário, dialogavam e interagiam com ela”. Além disso, a gravação em disco possivelmente colaborava para a disseminação de suas práticas rituais, de suas entidades espirituais e da crença de um modo geral, uma vez que ampliava o raio de alcance dessa temática para outros espaços da cidade.


O estudo dessa musicalidade é importante para sabermos a formação de redes de músicos, os modos de transitarem as simbologias afro religiosas e que modo isso possibilita a construção de cidadania para muitos músicos, mesmo que numa sociedade fortemente racista. Além de campo musical que se constitui aos poucos a partir da Primeira República, temos os vários escritos dos antropólogos como Nina Rodrigues e Artur Ramos circularem em vários jornais falando de Iemanjá, que também traz força da musicalidade na imprensa carioca e nacional desde os anos 40, acompanhando o aumento da ocupação das flores nos espaços públicos da cidade.


Na Cena Muda, em 2 de marco de 1943 (e em 1953), temos novamente a correlação entre Iemanjá e Dorival Caymmi como cantor do mar, poeta da Bahia que sabe como poucos — exceto Carmem Miranda — a cantar as coisas originais do Brasil. Novamente no ambiente do rádio, temos um artista Nestor de Holanda que fala de sua preferência pelo mar (17 de outubro de 1950) como escolha que entrelaça vida e religião.


Música, comida, ideias, ritos tudo conectado nos leva a Iemanjá, que sabiamente nos tece e nos envolve nos cantos da cidade. As flores a Iemanjá mostram não apenas a popularização do cotidiano dessa oferenda na cidade do Rio de Janeiro, mas a saída de seus pejis, altares, sabagis e vários de seus espaços internos para a rua reconstruindo materialidades, assentamentos e a circulação de práticas, rituais e artes para a cidade.


Bibliografia:

BAHIA, Joana. O Rio de Iemanjá. Um olhar sobre a cidade e a devoção. Rio de Janeiro, Telha, 2023.

VIEIRA, Caroline Moreira. Ninguém escapa do feitiço: música popular carioca, afro-religiosidades e o mundo da fonografia. Dissertação (Mestrado em História Social) — Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Formação de Professores, Rio de Janeiro, 2010.




Joana Bahia - AxéNews

Joana Bahia

Professora titular da UERJ. Coordenadora do Nuer (Núcleo de estudos da religião). Autora do livro O Rio de Iemanjá: um olhar sobre a cidade e a devoção, publicado pela editora telha em  2023 e vários artigos sobre religiões afro brasileiras, em especial Omoloco, umbanda, candomblés, Iemanjá e expansão das religiões afro brasileiras no mundo... [+ informações de Joana Bahia]


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