Por: Ademir Barbosa Junior
✅ 09/01/2024 | 06:45
Em tempos de disseminação na internet de trabalhos de destruição, morte, aborto etc., supostamente propiciados por religiosos de terreiro, mais do que nunca é preciso meditar sobre a ética dos trabalhos de limpeza e reequilíbrio, em especial no que tange a este aspecto: devolver ou não a demanda a quem a enviou?
O objetivo de um curativo, de um tratamento ou de uma cirurgia é minimizar ou fazer cessar a dor, de modo que o organismo fique o mais saudável possível. Nesse sentido, esparadrapos usados, tumores, membros amputados etc., quando não utilizados como objetos de análise, estudo e pesquisa, são devidamente descartados com cuidados específicos. Se alguém precisou retirar um pulmão danificado pelo tabagismo, o mesmo é remetido à fábrica de cigarros preferidos do paciente, por exemplo?
O mesmo raciocínio vale para toda sorte de tratamento espiritual. O objetivo é limpar, reenergizar, reequilibrar pessoas e ambientes. Não importa quem enviou a demanda ou em que circunstâncias. Tais informações certamente provocarão indignação, ira, desejo de vingança, ou seja, permanência do desequilíbrio. A fim de evitar novos processos, é possível alertar e indicar cuidados, porém de forma objetiva, cuidadosa, e não, por meio de insdicrição ou fofoca, para fomentar discórdia e/ou demonstrar suposta superioridade mediúnica insuflada pela vaidade de um Pai ou Mãe de terreiro ou pelos médiuns em geral.
Se, em linhas gerais, considerarmos a lei de ação e reação (e aqui nos valemos de terminologia popularizada), teremos muitas vezes, além da (ou no lugar da) dissolução da energia deletéria, o encaminhamento de volta para a fonte que a projetou. Contudo, isso cabe à Espiritualidade decidir, não ao ser humano, que não tem a visão de conjunto do processo de aprendizado de quem enviou aquela energização negativa, se precisará passar pela mesma experiência ou terá outros caminhos de esclarecimento e reequilíbrio e mesmo contenção de ações magísticas deletérias. O esforço é de quebrar o ciclo, e não retroalimentá-lo, basta perceber o sentimento geralmente envolvido nas chamadas “devoluções de demanda”: as pessoas atingidas realmente pensam em justiça ou em vingança (além das palavras, observem-se os sorrisos de canto de boca, os dentes trincados, os pezinhos batidos no chão em sinal de impaciência e indignação)? Há - e não apenas nesse contexto - quem fale da justiça de Xangô e se sinta o próprio Orixá, colocando-o como fiador de seus descontentamentos, sua raiva, seus desejos de vingança. Em tempo: a justiça sem o tempero da compaixão é apenas um nome bonito para vingança. Proporcionar vingança como “justiça divina” ou “justiça de Xangô” é um grande contra-Axé.
(Nesse sentido, na prática cotidiana, pensemos em expressões como “Fulano merece apodrecer na cadeia…” Ora, a cadeia seria um lugar para apodrecer ou para se reeducar, visando, na medida do possível, a reinserção na comunidade?)
As religiões de terreiro são conhecidas pela desobsessão, não pelo exorcismo. Neste último caso, envia-se para a danação eterna quem prejudica terceiros. Na desobsessão, afasta-se quem prejudica, propondo-lhe caminhos de recuperação e cura, em respeito ao livre-arbítrio: se não quiser, por ora, estará exilado ou encarcerado nos umbrais da culpa e do ressentimento, alijado e bloqueado de causar danos e prejuízos, até que desperte e se permita ser tratado. Infelizmente, poderá reagrupar-se e voltar à obsessão das mesmas pessoas ou de outros, conforme afinidade energética.
Sabemos, alíás, que a afinidade energética abre brechas não apenas para obsessões, mas para que toda e qualquer negatividade “pegue”. Demandas, palavras de ódio, pensamentos de inveja etc. encontram terreno fértil nessas brechas. Para selá-las é que se fazem firmezas, oferendas votivas, banhos etc., pois apenas a força de vontade e o pensamento positivo nem sempre conseguem propiciar a defesa necessária para tais investidas. Isso é do humano: ora estamos num vale, ora no topo da montanha, por vezes cansado no meio do caminho. Reequilibrar-se/reenergizar-se é uma constante. Portanto, em linhas gerais, se algo “pega” em alguém, é porque não está suficientemente equilibrado, logo, a despeito da atitude maldosa de outro, esse alguém seria não apenas vítima, mas também coautor da demanda, do pensamento negativo, da palavra ferina etc. Então, como devolver (apenas) para quem enviou, e não deixar uma parte com o coautor que busca um processo de limpeza?
Essa noção de coautoria não visa a provocar a culpa em ninguém. A culpa - costumo dizer - paralisa. A responsabilidade faculta uma consciência maior e nos leva a buscar soluções, caminhos, compensações etc. Também costumo dizer que a consciência e a atentividade lembram nossa postura nas brincadeiras com bexigas de água. Alguém atira em mim uma bexiga cheia de água: se estou centrado, desvio; a bexiga pode acertar um braço, se não desvio a tempo; desatento, acerta em cheio meu peito ou a cabeça. Qual o meu trabalho, em que vou focar a energia: em me secar ou correr atrás do outro com a bexiga estourada na mão?
Em tempo: quando alguém me oferece algo, posso escolher não aceitar.
Xangô abençoe a todos (as) nós!
Ademir Barbosa Junior
Ademir Barbosa Júnior (Pai Dermes de Xangô) é dirigente da Tenda de Umbanda Caboclo Jiboia e Zé Pelintra das Almas (Piracicaba – SP), fundada em 23/4/2015. É Doutorando em Comunicação pela UNIP (Bolsa PROSUP/CAPES) e Mestre em Literatura Brasileira pela USP, onde se graduou em Letras. Pós-graduado em Ciências da Religião pelo Instituto Prominas, é professor e terapeuta holístico. [+ informações de Ademir Barbosa Junior]
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|| Artigo de Opinião: texto em que o(a) autor(a) apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretações de fatos, dados e vivências. ** Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do AxéNews.
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