Por: Babalorixá Sérgio Ogumdaruncy
16/03/2023 | 18:47
Me iniciei no candomblé em 26 de janeiro de 1991 e, na ocasião, não tinha a menor noção dos princípios básicos que norteavam a religião, haja vista ser de família eminentemente umbandista, onde o candomblé sequer era permitido no meu contexto familiar, pois era considerado uma religião obscura, o que certamente era devido a total falta de conhecimento dos meus.
Após a realização das festividades do candomblé, meu Pai Ogum não me permitiu deixar o terreiro e retornar para minha casa. Assim, permaneci todo o meu período de preceito dentro da casa de santo, ou seja, um período de três meses, onde após muitas tentativas de minha finada ialorixá (Yara de Oxum) junto a meu Pai Ogum, fui liberado apenas para frequentar as aulas da universidade e retornar em seguida para o barracão.
Sei que hoje vivemos em um novo tempo, onde as mudanças ocorrem rapidamente e, para acompanhar todo este processo de mudança, os integrantes do terreiro, também precisam estar inseridos nesta sociedade...precisam conduzir sua vida pessoal, seu trabalho, se manterem atualizados através de cursos e capacitações para permanecerem em consonância com o mercado de trabalho, buscar sua melhoria de vida e outras questões que envolvem nosso contexto dentro deste cotidiano.
Entretanto, acredito também que precisamos estar atentos e refletirmos sobre algumas questões que, no meu entendimento, não devem ser desconsideradas a partir do momento que optamos por seguir com as práticas de nosso culto.
Parto do princípio de que, nunca devemos desconsiderar que o candomblé é uma religião embasada pelo respeito às gerações passadas, que é transmitida através da oralidade para as gerações presentes, visando a sua perpetuação do conhecimento para as gerações futuras.
Assim, acredito que precisamos nos adequar a esta nova realidade, porém precisamos realizar uma reflexão acerca de como iremos manter as tradições que nos foram transmitidas por nossa ancestralidade, em detrimento do como iremos perpetuar e manter nosso axé para as gerações futuras.
Sabemos que dentro de um terreiro sempre há a necessidade da presença de seus integrantes para que ocorra o processo de transmissão dos conhecimentos, além da manutenção e organização daquele espaço sagrado.
Hoje temos o acesso rápido as informações através da internet e uso de nosso celular - vídeos, textos, artigos, dentre outros. Mas será que tudo aquilo que acesso na internet é uma prática adequada ao terreiro que frequento? Como está ocorrendo o seu processo de aprendizado dentro do terreiro? Você tem comparecido as funções que são demandas em sua casa a fim de que possa aprender, na prática, a forma adotada naquele lugar?
Por outro lado, acredito também que a reflexão também deva perpassar pelas pessoas chaves que integram aquela comunidade, em um cenário muito mais ampliado.
Estou repassando as práticas que foram adotadas por meus mais velhos?
Estou reproduzindo um discurso que me permita replicar a forma de pensar do meu sacerdote ou sacerdotisa? Estou transmitindo o que foi aprendido por mim de acordo com a expectativa daquele lugar sagrado?
Acredito que, independentemente da forma que cada um conduz sua casa e os integrantes que nela estão inseridos, precisamos, acima de tudo, ter todo o cuidado, zelo, empenho e, principalmente, comprometimento com nosso sagrado.
Precisamos a cada dia ter um olhar reflexivo acerca dos resultados obtidos neste processo, bem como buscar soluções inovadoras para atendimento as demandas exigidas pela atualidade, porém nunca devemos flexibilizar ou renunciar à manutenção de nossas tradições, sob pena de perdermos nossa identidade e, ao olharmos para trás não mais reconhecermos nossas origens.
Nos dias atuais, percebo que a palavra de ordem é DISCERNIMENTO. Precisamos identificar o que podemos inovar, sem que haja perda da manutenção de nossas tradições.
Babalorixá Sérgio Ogumdaruncy
Profissional da área de Educação Física, palestrante e professor de cursos de cultura e danças afro-brasileiras, folclorista, co-autor do livro Homens de Axé: A Luta e Resistência de Vinte Sacerdotes do Rio de Janeiro e sacerdote do Ilé Asè Ìmólè Alágbède Oórun Yèyé N'lá.
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