Por: Deputada Dani Balbi
18/03/2023 | 14:49
Falar sobre educação e religiosidade no Brasil são um desafio e uma necessidade. No momento em que a sociedade brasileira abriu os olhos para o debate sobre o currículo escolar em virtude do novo ensino médio e suas inúmeras debilidades e inconsistências, temos que aproveitar a oportunidade para debater outras vertentes, como a que diz respeito às religiões e religiosidades. E precisamos fazer esse debate com a missão de romper com o espírito de catequese que marca a escola pública em nosso país desde os tempos coloniais.
Desde que os jesuítas chegaram aqui, em 1549, pelas mãos do governador geral Tomé de Souza, e fundaram o colégio da Companhia de Jesus, o ensino público brasileiro sempre teve uma grande influência (quando não esteve literalmente nas mãos) da Igreja Católica, e ainda depois da sua expulsão pouco mais de dois séculos depois. Mesmo com a separação entre Estado e Igreja, formalizada pela Constituição de 1891 que defendia o ensino público laico, a escola pública seguia cumprindo seu "papel" de catequese.
O ambiente escolar deveria ser um espaço de inclusão e diversidade, mas a inclusão de negros e negras, suas históricas, culturas e religiosidades, no espaço do ensino público ainda deixa muito a desejar. Historicamente, o que temos é a limitação do estudo da história dos povos pretos ao tráfico negreiro e a escravidão. Isso precisa ser mudado.
Na década de 1990, a Lei Federal 9396/96 (LDB) determinou que os os estudos da cultura e da religiosidade africana e indígena fossem inseridos no currículo escolar, através da nova orientação para o ensino religioso. Em 2003, a Lei federal 10.639 incluiu os conteúdos presentes no ensino religioso também como objetos de outras áreas do conhecimento. Já em 2008, o estudo da história e da cultura indígena e afro-brasileira se tornou obrigatório nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, mas os impactos reais desses avanços legislacionais ainda são tímidos.
É urgente transformar em prática real o ensino da história e da cultura africana em nosso país e, nesse ponto, friso que as religiões de Matrizes Africana são um alicerce fundamental para compreensão sobre a identidade dos povos africanos escravizados e de seus descendentes. O papel de catequese para uma religião hegemônica nos aparelhos do estado não condiz com a função social que a escola pública tem a cumprir em nossa sociedade.
Pesquisa da professora doutora Stela Guedes, autora do livro “Educação nos terreiros – e como a escola se relaciona com crianças de candomblé”, revelou que para os estudantes de religiões afro que frequentam as instituições de ensino brasileiras, a escola é o espaço onde mais se sentem discriminados por sua fé.
Ou seja, ao invés de ser um ambiente acolhedor, de diversidade, respeito e inclusão, a escola acaba se tornando mais um espaço de promoção do racismo religioso para esses jovens.
A escola pública não pode continuar sendo um ambiente branco, cristão e racista; é preciso transformá-la! Recentemente, viralizaram nas redes sociais as inscrições preconceituosas de uma mãe num livro escrito pelo rapper e escritor Emicida. Até quando vamos tratar cenas absurdas como essas como normais? Até quando será tolerado que a escola seja um espaço para transmissão e propagação de uma cultura do preconceito religioso?
Precisamos superar as dificuldades para a real implementação do ensino da História e Cultura dos povos africanos, formar melhor nossos professores para lecionar sobre esses conhecimentos, tornar o tema transversal, não se limitando à história e alcançando disciplinas como literatura, ciências e matemática, por exemplo.
É preciso reconhecer que, se a igreja cristã tem sua produção de conhecimento, os terreiros de umbanda e candomblé também o possuem. A vivência nos terreiros não é racista, não discrimina as diversas orientações sexuais e não discrimina qualquer outra religião. Portanto, é urgente que o ambiente escolar também consiga cumprir esse papel.
O ensino religioso não pode ser guiado para adesão ou rejeição de qualquer prática religiosa, ele deve pressupor transmissão de valores e conhecimentos de forma respeitosa e correta, rompendo estereótipos, combatendo preconceitos e sendo um pilar para a construção de uma sociedade mais fraterna e que respeite a ancestralidade do povo negro do mesmo modo que respeita a fé trazia ao solo brasileiro pelos povos europeus.
Deputada Dani Balbi
Cria do Engenho da Rainha, Dani Balbi é uma mulher preta e a primeira deputada trans do Rio de Janeiro, sendo eleita deputada estadual com mais de 65 mil votos. Com 33 anos, roteirista, professora e doutora em Ciência da Literatura pela UFRJ, Danieli Balbi, foinrevelada na política por movimentos sociais. [+ informações da deputada Dani Balbi]
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