top of page

Ancestralidade, pertencimento e resistência: o grito da cultura de Terreiros contra o racismo

  • Foto do escritor: WR Express
    WR Express
  • 21 de mar.
  • 6 min de leitura

Por: Mãe Viviane de Oxum

Foto: Bloco Ilú Obá De Min | Divulgação
Foto: Bloco Ilú Obá De Min | Divulgação

21/03/2025 | 13:17


Ser sacerdotisa de uma religião de matriz africana, mulher e negra não é uma tarefa fácil, pelo fato de sofrermos constantemente com o racismo religioso, que , como sabemos, possuo caráter estrutural. Por isso, eu levanto a bandeira de uma cultura religiosa que é constantemente demonizada.


E é nesse chão de terreiro, situado na zona oeste do Rio, que sigo em uma continua correria, para receber. E isso não se limita apenas ao meu corpo, à luta para sobreviver, mas sim a muitos corpos que batem no portão do terreiro pedindo socorro.



Devo, então , antes de tudo, pedir a benção às mulheres que me inspiram nesta caminhada.

Minha Bisavó, Maria Francisca, de descendência Indígena. Minha avó, Maria Fernandes descendência Africana (in memorian). A elas, meus respeitos.


Peço a benção a minha Avó Nadir Albino de Oliveira, que foi forjada analfabeta, pelo sistema machista onde lhe foi negado o estudo. Seu pai não a deixou estudar, pois, para ele, a mulher tinha que aprender apenas a cuidar de casa e do marido. A minha avó, Nadir, mulher de Ogun, preta, favelada, foi lavadeira de madame, criando seus oito filhos sozinha, na favela do Rebú, em Senador Câmara.


Peço a benção a Maria de Fátima minha mãe, que criou a mim, minhas irmãs e irmãos (somos seis) igualmente sozinha. Como diria Racionais, em Negro Drama: Uma negra com a criança nos braços, solitária na floresta de concreto e aço…

Através desse úteros, eu nasci e renasci.


Em meio à sombra persistente do racismo religioso, a ancestralidade se ergue como um bastião de resistência e dignidade, dentro dos terreiros de macumba. O candomblé é um farol que ilumina as lutas de milhões de homens e mulheres que, ao longo da história, foram sistematicamente desumanizados e silenciados.


As religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda, são casas de reexistência - esta última eu chamo de macumba, pois existe muito antes de Zélio, e que, só foi propagada a partir do momento que foi elitizada…


Nossas macumbas não são apenas práticas espirituais; elas são repositórios vibrantes de uma ancestralidade rica, que desafia a opressão e reivindicam um espaço sagrado na sociedade contemporânea.


A nossa ancestralidade afro-brasileira é uma força vital que nos conecta, com as nossas raízes, tradições e culturas que, apesar das tentativas de apagamento, persistem e florescem.


Lá em casa, por exemplo, e em quase todos os terreiros de fundo de quintal, sempre serviu para socorrer as comunidades mais pobres e pretas. No chão do terreiro de Vovó Cambinda, esta antepassada que retorna a terra para nos ensinar a nos livramos da chibata, como Maria Conga, Pai Joaquim e diversos pretos e pretas velhas, símbolos resistência ancestral. Atendemos mulheres em situação de violência, familiares em situação de insegurança alimentar...


E falando em insegurança alimentar, um rapaz se dirigiu até mim na última gira. Ele é servente de obra. Ele se aproximou e disse que estava cozinhando feijão na lenha, para economizar o seu gás. Uma senhora, que havia perdido o filho preto, bateu em nosso terreiro para pedir ajuda, pois sua luz estava cortada e também sem gás e alimentos. Entre diversas situações assistidas por um terreiro de macumba, essas são apenas a lasca de muitas histórias. Eu poderia citar varias…


Desde sempre os terreiros de Candomblé criaram sistemas para alimentar sua comunidade e a comunidade vizinha, mas infelizmente somos atravessados por uma questão gravíssima, pois, falando em alimentação de terreiro, que é riquíssima na culinária africana, enfrentamos o racismo alimentar, que discrimina esta mesma culinária.


- “Olha, não come esse doce por que é da macumba…” E por aí vai…


Muitas das vezes a alegria daquela criança que nem sempre pode comer um doce, está naquele saquinho ou, após o sirê, comer uma boa galinha temperada com axé dos terreiros, do animal sacralizado, pelos orixás. Muitas vezes é no chão de terreiro que a saúde mental e física encontram melhoras através dos saberes ancestrais passados de forma oral. Cada ritual, cada folha, cada canto, cada dança carrega consigo o peso de uma história de reexistência, de luta pela liberdade e de celebração da vida.


Ao abraçar um orixá, que nos é herdado, muitas dores se desfazem, sobretudo a dor do não pertencimento. Ser uma mulher de terreiro, não só reafirma minha identidade, mas também reafirma meu direito de existir em uma sociedade que muitas vezes tenta me silenciar.


Quando, estrategicamente, Tia Ciata, mulher de Oxum, Iyakekere (mãe pequena) no terreiro do babalorixá João Alabá de Omolu, um dos principais do Rio de Janeiro, localizado na rua Barão de São Félix, na Zona Portuária, foi procurada pelo presidente Venceslau Brás, que vivia anos com uma ferida na perna, ela fez uma macumba com as ervas. E, pasmem, curou a perna dele, pondo assim um fim às perseguições em sua casa, pois, àquela época, qualquer manifestação cultural afrocentrada era criminalizada, como o samba, por exemplo.


No quintal de Tia Ciata, nasceu o samba... e foi pelo telefone!


Ainda temos a Ìyálorisa, Eugênia Ana dos Santos, Mãe Aninha, Ọbá Bii(AGO Mojuba Ìyá mi),

fundadora do terreiro de Candomblé Ilê Axé Opô Afonjá, em Salvador e no Rio de Janeiro. Mãe Aninha teria tido um encontro com o presidente Getúlio Vargas, pois ela era sua conselheira espiritual, e Getúlio, durante um longo período, se cuidou espiritualmente com ela.

O encontro de mãe Aninha com o Presidente, para tratativas sobre a Promulgação do Decreto-Lei 1 202 - Rio de Janeiro - RJ, 1939, aconteceu no Palácio do Catete, Rio de Janeiro, e fora responsável pela liberação do culto afro-brasileiro, bastante perseguido, nos primórdios do século, pela polícia. Além disso, mãe Aninha disse, no terreiro, que seu sonho era ver os filhos de Xangô (patrono da casa), com anel no dedo… ( Anel de graduação)


Essas e muitas outras senhoras são inspiração na minha caminhada como conselheira espiritual dos terreiros nas favelas da zona oeste. Em um mundo que tenta dividir e segregar as comunidades afro-brasileiras, esse pertencimento não é apenas uma conexão com o passado: é um compromisso com o presente e o futuro, onde a solidariedade e a coletividade se tornam armas poderosas contra o racismo.


Quando nos reunimos nos terreiros, celebrando os Orixás e Guias, não apenas preservamos nossa cultura, mas também criamos um espaço seguro de resistência, onde cada voz é ouvida e cada história é valorizada.


A resistência, por sua vez, se manifesta de inúmeras formas. Desde a luta contra a intolerância religiosa até a defesa dos direitos civis. Nos povos de terreiros, temos nos levantado contra as injustiças que enfrentamos. A resistência é a afirmação de que nossas práticas espirituais são tão válidas quanto qualquer outra; que nossas histórias importam e que nossas vidas têm valor.


Através de protestos, arte e educação, essa resistência se torna um movimento pulsante que desafia a narrativa dominante e exige respeito e reconhecimento.


Nesse contexto, é vital reconhecer que a ancestralidade, o pertencimento e a resistência estão interligados em um ciclo poderoso. A ancestralidade alimenta o pertencimento, que, por sua vez, fortalece a resistência. Juntos, esses elementos formam uma rede indomável que busca não apenas a sobrevivência, mas a plena realização da cultura afro-brasileira.


E, para finalizar, quero reafirmar, que ao celebrarmos a ancestralidade e o pertencimento, estamos também ecoando um grito de resistência contra o racismo e a intolerância. Estamos dizendo, em alto e bom som, que a cultura de matriz de terreiro, é uma parte essencial do tecido social brasileiro. Que as vozes dos nossos antepassados ainda ressoam em nossos corações e que, juntos, continuaremos a lutar por um futuro onde todas as identidades sejam respeitadas e celebradas.


A luta pela dignidade e pelo reconhecimento das religiões de matriz africana é uma luta de todos e todas, e, juntos, podemos transformar o medo em coragem e a opressão em libertação.




Átila Nunes - AxéNews

Mãe Viviane de Oxum

Mãe Viviane de Osun, Ìyálòrìsá do Àṣẹ Riqueza das Águas (Ẹgbẹ́ Awo Ọmọ Oṣùn T’Loya). Dirigente do terreiro de umbanda, Vovó Cambinda do Cruzeiro. Guiada pelas mãos de minha Mãe carnal Mãe Fátima de Oyá, que pelas mãos de minha Avó Nadir de Ogun, que é uma mulher que carrega, ancestralidade no sangue!



Redes Sociais de Mãe Viviane de Oxum

Comments


bottom of page