Por: Etemí Shaiane de Lissá
16/02/2024 | 13:45
Quando resolvi escrever sobre este tema fiquei muito temerosa em como poderia me expressar sem causar repercussão negativa aos Terreiros e seus dirigentes. Mas nada pode ser mais importante do que o respeito aos direitos das mulheres e crianças.
A cada 4 minutos, uma mulher é agredida e a cada 6 horas uma mulher é assassinada no Brasil. E infelizmente parte desses crimes são cometidos por "homens e pessoas de terreiro".
Assim como na Igreja, seja ela Católica ou Protestante e tantas outras denominações e segmentos religiosos, nós de Terreiro não estamos livres de ter em nosso meio pessoas mau-caráter, de má índole e desrespeitosas. O que deveria nos diferenciar, seria o fato de não aceitar estupradores, pedófilos, abusadores ou agressores em nossos Templos. Mesmo que isso não seja nossa culpa, digo dos dirigentes e de todo povo de terreiro. Já que em toda sociedade temos pessoas de todo tipo de caráter, índole e personalidade não seríamos nós responsáveis por tais atos e violência, mas jamais permitir ou normalizar esse tipo de conduta.
Deveríamos oferecer uma rede de apoio para toda mulher em situação de violência seja ela qual for. E deixo claro aqui que mesmo que essa mulher decida por não denunciar, precisamos oferecer ajuda e até mesmo orientação jurídica, a decisão será só dela. Ela precisa saber que nós mulheres e pessoas de terreiro estaremos com ela e junto com o Sagrado não a deixaremos sozinha!
Nossas Ancestrais foram sequestradas de suas terras e escravizadas, trazidas ao Brasil. As que chegaram com vida já foram submetidas às mais cruéis das violências. As mulheres indígenas que também são nossas Ancestrais sofreram barbáries, tudo em nome de uma Fé patriarcal e eurocentrista, onde o "Homem" pode tudo!!!
E nós o que estaríamos fazendo para honrar o que nossas Ancestrais deixaram de exemplo de luta e resistência? Porque elas resistiram a tudo para que hoje pudéssemos estar aqui, inclusive eu, bisneta de uma mulher indígena e de uma mulher preta nascida no ventre livre.
Na minha opinião, acho que muito pouco ou quem sabe nada....
Algum dos irmãos já viu uma denúncia ou denunciou um patriarca de terreiro, seja ele Babalorixá, Ogã, Babalawo ou qualquer outro cargo? Dificilmente né meus irmãos!!!
Por vezes a vitima se cala, mas e nós ? Poderíamos reagir de alguma forma!!! Ainda me pergunto como!!!???
Nasci, fui criada e vivo dentro do Candomblé. Já ouvi coisas que até Exu dúvida e até hoje o que mais me espanta é o medo das mulheres em denunciar seu abusador que é de terreiro, porque ele é um Babalorixá ou um ogã de nome, pertencente a uma grande família de axé.... E assim nossos abusadores ficam impunes, pois o abusador devido seu prestigio, pode descredibilizar a vitima, e sabemos também que existem as ameaças por supostos "feitiços" e "magias", e assim a mulher continua silenciada....
A cada 10 mulheres que expõem seus agressores, 9 serão invalidadas, todas serão julgadas e culpadas pelas agressões, ouviremos que deram motivos para que a agressão acontecessem. A cada 10 agressores denunciados, seja para um dirigente de terreiro ou até mesmo a policia, 9 saem ilesos.
O crime só ganhará destaque por ser um homem de terreiro e a mulher continuará esquecida, ainda mais se tratando de uma mulher preta e de terreiro.
Isso só nos mostra o quanto o Brasil ainda é um país injusto para nós mulheres e mais ainda para mulheres de terreiro.
Nós dirigentes corretos e honestos devemos alertar toda sociedade, seja ela de terreiro ou não, que não compactuamos com nenhum tipo de violência.
Deixo aqui o alerta sobre tantos absurdos ocorridos e relacionados às casas de axé e ao povo de terreiro. Não existe cerimônias seja no candomblé ou umbanda que o médium, filho ou cliente precise ser tocado em partes íntimas. Não existe nada relacionado ao toque em genitais dentro do culto ao Vodun, Orixá ou Inkisí. Denuncie aos dirigentes todo e qualquer tipo de abuso, toque, olhar ou insinuações no terreiro que você frequenta, caso seja necessário vá a policia.
Terreiro é lugar de respeito e ambiente familiar, nada tem haver com esse "novo candomblé", mão que toca o Orí, não toca o corpo!!! Fuja desse tipo de ambiente, seja na religião, no trabalho ou na família.
Infelizmente nós mulheres só somos ouvidas quando não podemos mais falar, quando não podemos mais gritar, nossas lágrimas só são vistas quando não podemos mais chorar, nossas vidas só são lembradas quando não podemos mais respirar... E os agressores como sempre saem pela porta da frente sem dever nada a policia ,e para a sociedade de terreiro.
Não há nenhum tipo de Religião de Matriz Africana que faça rituais que toque em genitais ou que geram situações de constrangimentos ou assédios nos Terreiros.
Se você mulher de terreiro ou não, já foi agredida de alguma forma, física ou emocionalmente, que deixaram cicatrizes na alma, seja forte, não importa de onde você seja, sua história, sua cor, sua idade, sua religião, saiba que você não está sozinha!!!
Cada uma de vocês trás em si uma força incrível de Nossas Ancestrais! E com elas uma voz interior que jamais poderá ser calada, vocês são incrivelmente fortes, grite sempre para que o mundo não as calem!!! Somos sobreviventes e resistentes numa sociedade machista, patriarca e narcisista. Juntas seremos sempre mais fortes e chegaremos onde quisermos!!!
As Deusas que habitam em mim, saúdam as Deusas que habitam em vocês!!!
denunciem todo e qualquer tipo de violência contra você mulher, ligue 180.
SEJA SEMPRE FORTE E CORAJOSA!!!
Etemí Shaiane de Lissá
Etemí Shaiane de Lissá (Shaiane Ezechiello). Matriarca do Kwe Lissá Ogifè/Terreiro de Obaluaye. Terapeuta holística, graduanda em História,Comunicadora do Programa Vozes Ancestrais, Coautora do livro Mulheres de Axé.
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