Por: Mãe Viviane de Oxum
📆 11/10/2023 | 08:34
Ainda é comum nos depararmos com a ridicularização ou mesmo estigmatização da iniciação de crianças no Candomblé, ou mesmo qualquer seguimento religioso de matrizes Africanas, como, por exemplo, a Umbanda. Numa sociedade majoritariamente cristã, é o batismo católico, ou “apresentação da criança” na Igreja no seguimento evangélico, o que é reconhecido como normal.
Quem nunca escutou: “batiza logo, porque a criança não pode ficar Pagã”? Mas qual o problema de ser “pagã”? Por que as marcas do “paganismo” geram tanto medo? Por que uma criança sem o rito de iniciação cristão está tão suscetível ao mal, às doenças e até ao inferno? Uma rápida menção à palavra “pagão/ã” já deixa vir à luz um dos medos disseminados pelo imaginário cristão. O termo pagão vem da palavra latina paganus, cujo significado é pessoa do campo. Trata-se de pessoas rústicas da antiguidade, que viviam junto à natureza e com a natureza se comunicavam, extraindo daí sua sabedoria e espiritualidade. Essas pessoas camponesas da época da Roma antiga não seguiam a fé cristã. E todos os indivíduos que não seguissem essa fé era taxado como pagão.
Mas, se você é de Candomblé ou Umbanda, por que ainda se prende a dogmas que não condizem com sua realidade religiosa? Basta lembrar que a palavra dogma, nas tradições cristãs, significa uma verdade revelada por Deus, absoluta, definitiva, imutável, inquestionável e infalível.
Meu povo macumbístico, vocês já pararam pra pensar na questão de desvalorização das práticas religiosas que nós seguimos? Por que ainda assim continuamos nos curvando a uma prática religiosa que não faz parte de nossa realidade? Já pararam pra pensar o que tem por trás de toda essa opressão para que seu filho ou filha não seja inserido/a numa religião de matriz africana? Ou simplesmente vamos continuar sendo guiados por esta situação preconceituosa, que inferioriza nossas divindades e guias e ainda impõe ritos que não nasceram de nossos/as ancestrais?
Será que a religião que nos faz bem não pode fazer bem aos nossos filhos e filhas? Por que temos que iniciá-los numa tradição que não é a nossa e reproduzir os preconceitos que essa tradição criou na nossa própria fé? Criticamos que inicia seu filho ou sua filha, por exemplo, na Umbanda quando é pequeno/a, mas achamos “normal” que um padre batize essa mesma criança?
O nosso estado é laico, E mesmo que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garanta a liberdade de crença, até conselhos tutelares foram acionados para “protegê-las” em ritos sagrados da religião. Por isso, temos que nos libertar do racismo religioso, o mesmo racismo que nos faz aplaudir um pai ou uma mãe que leva seu filho ou sua filha para ser batizada numa Igreja, ao mesmo tempo que nos leva a discriminar os mesmos familiares que levam sua criança para ser iniciada num terreiro. Não podemos ser reféns dessa lógica perversa e violenta, que nos faz lidar com a nossa tradição sem reconhecer nela a mesma dignidade que reconhecemos no ritual de iniciação da religião que tanto nos excluiu e oprimiu: o cristianismo. Iniciar crianças no terreiro nada tem de pesado, não é um fardo: é ato de amor e de respeito com toda ancestralidade que fornece ao seu axé aos nossos caminhos.
Mãe Viviane de Oxum
Mãe Viviane de Osun, Ìyálòrìsá do Àṣẹ Riqueza das Águas (Ẹgbẹ́ Awo Ọmọ Oṣùn T’Loya). Dirigente do terreiro de umbanda, Vovó Cambinda do Cruzeiro. Guiada pelas mãos de minha Mãe carnal Mãe Fátima de Oyá, que pelas mãos de minha Avó Nadir de Ogun, que é uma mulher que carrega, ancestralidade no sangue! [+ informações de Mãe Viviane de Oxum]
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