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A importância da hierarquia no culto do candomblé de tradição Yorúbá

Por: Iyá Marlise de Oxum

Foto: Roger Cipó

31/02/2023 | 07:00


O candomblé de tradição Yorúbá inclui o cuidado espiritual, mas também o cuidado

do corpo sócio-cultural, o que envolve aspectos de cuidado com o corpo físico, bem

como as dimensões ético-moral e política dos indivíduos e grupos. Portanto, o

candomblé se utiliza de um conjunto de saberes e práticas ancestrais de culto ao

corpo físico e não-físico: culto à Orí Òde (cabeça física), peito, barriga, umbigo,

mãos, pés; e culto direcionado ao corpo não físico, ou seja, direcionado à Orí Inú (a

cabeça interior), ao eledàá (espécie de espírito coletivo ancestral divino que habita o

ser e constitui sua essência divina), ao ìpín/odù (destino/caminho), à massa de

origem, ao ìwà pele (bom caráter/ dimensão ético-política do ser). E assim, cultua-se

Orí, Odù, Egbe Òrún, Egungun e Òrìsà!



Esse culto se alicerça em valores, cosmo-percepções, saberes e fazeres e se

organizam a partir de alguns elementos centrais, dentre os quais se encontra o

respeito à senioridade e à temporalidade da experiência vivida, e que constitui a

base de uma organização das relações construída na e a partir da hierarquia e das

funções exercidas por cargos ou postos específicos. Ocupar um posto é, pois,

sinônimo de merecimento, autoridade e poder espiritual (poder de servir).

A hierarquia, então, tem papel fundamental na gestão da comunidade, enquanto

espaço de resistência e de recriação da memória ancestral trazida na diáspora

africana, tendo em vista a preservação desse legado e da tradição.


Os lugares e papéis, assim como os direitos e deveres dos membros que compõem

o corpo hierárquico da comunidade são demarcados pelos cargos e postos, mas

também por diferentes códigos, comportamentos, indumentárias e uso de fios de

conta. Esses últimos elementos são símbolos de identidade e emblemáticos do

lugar ocupado na hierarquia. Vale destacar que esse lugar não é estático; ao

contrário, o iniciante entra como abian (aquele que um dia vai renascer no sagrado)

e com o passar do tempo (tempo no sagrado) pode vir a ocupar altos postos, tais

como Ekedji, Ogan, dentre vários, ou mesmo, de dirigente do culto, quando for

egbon (mais velho). Daí, o ditado: “antiguidade é posto”.


O tipo de indumentária é elemento identitário e sinaliza o tempo de dedicação ao

sagrado, anunciando o lugar ocupado na hierarquia, isto é, indica se o membro é

um abian, ìyáwó (recém iniciado) ou um egbon (irmão/irmã mais velho/a); por

exemplo, o uso do pano de cabeça/ boina, ou do pano da costa, trazem as marcas

da hierarquia religiosa e também de gênero. Ojá (pano de cabeça) e alaká (pano da

costa) são indumentárias femininas.


É certo que caberia aprofundamentos quanto a esse importante e central tema na

organização e dinâmica do candomblé que extrapolam os limites desse espaço.

Contudo, é importante ressaltar que a hierarquia deve se pautar na salvaguarda dos

elementos autorais do candomblé como patrimônio ancestral e no respeito mútuo

entre os membros para que o espaço do terreiro se reafirme como quilombo

contemporâneo e não reproduza a senzala!

Asè!



Iyá Marlise de Oxum - AxéNews

Iyá Marlise de Oxum

Yalorixá do Ilé Axé Iyalode Oxum Kare Ade Omi Aro /Nova Iguaçu - RJ

Professora Aposentada da UFRJ

Doutora em Ciências Sociais

Ativista/Pesquisadora em Direitos Humanos.

Rede Social de Iyá Marlise de Oxum:

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