Por: Pai Sid

✅ 21/01/2025 | 06:52
O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa é comemorado anualmente no Brasil no dia 21 de janeiro, a data também faz referência ao falecimento da Yalorixá Gildásia dos Santos, que foi vítima de intolerância religiosa. Mãe Gilda como era conhecida, foi agredida física e verbalmente por membros da Assembleia de Deus que jogaram um bíblia sobre sua cabeça com a intenção de “exorcizá-la”. Não bastasse isso, no mesmo ano, uma publicação da Igreja Universal trazia a foto da iyalorixá com o título “macumbeiros charlatões lesam o bolso de clientes”. Ao ver essa publicação e sua foto, mãe Gilda teve um ataque cardíaco fulminante.
Essa perseguição e aniquilação histórica que sofremos faz parte de uma estratégia cruel e
capitalista que não pode ser chamada apenas de Intolerância Religiosa, pois diferente do que
sofrem outras denominações, o ataque a nossa religiosidade, as “piadas inofensivas”, as
discriminações institucionais que os nossos sofrem nas escolas, universidades, hospitais ou
órgãos públicos, tem ligação com uma forma de existir, com a nossa cultura e identidade, isso é racismo religioso.
Quase vinte anos depois desse ato de violência sofrido por mãe Gilda, e de tantos outros que
seguem sendo noticiados, quase vinte anos depois de uma lei ser sancionada afim de provocar
debates e políticas publicas de enfrentamento ao racismo religioso precisamos nos perguntar:
o quanto avançamos na construção de espaços efetivamente seguros para nós e os nossos?
Como é o dia seguinte de uma liderança que junto à uma comunidade, se organiza, se legitima
e através de ações coletivas fortalece indivíduos e suas famílias, ao ser vítima de tal violência,
ao ver seu terreiro quebrado, ao ser ridicularizado? A data tão necessária em todo país não
carrega em seu bojo a dor e as lágrimas que a comunidade de Mãe Gilda de Ogum chorou, a
saudade e a luta pela manutenção do seu legado.
É fato que não há um acolhimento efetivo senão por parte da ancestralidade. O poder público
finge ainda muito bem que avanços estão surgindo, mas nós na outra ponta, sabemos bem que
esses avanços e essa políticas estão bem distantes de nós. E por isso é tão importante que o
nosso povo passe com urgência a compreender que é necessário a discussão política dentro dos nossos espaços. Quantos de nós dentro dos terreiros nos importamos de fato com nossa
continuidade? Afinal nossos encantados, orixás e minkisi não nos querem existindo apenas,
estamos aqui para continuar, para garantir que os que virão terão a segurança de manter o que
lhes foi entregue, assim como conosco.
Se os parlamentos municipais, estaduais e federal, são reflexos de nossa sociedade é até
compreensível que haja bancadas evangélicas, da bala, mas então meu povo, onde é que está a
bancada da makumba? Não podemos mais seguir naturalizando o narcopentecostalismo como
um fenômeno que além de expulsar e intimidar as comunidades afro-religiosas, se articula para
uma manutenção de poder dentro da esfera pública e política.
O respeito a nossa identidade, cultura, religião e modo de vida não virá pelas mãos de nenhum
salvador ou santo, e esse modo de pensar ainda inconsciente dos nossos tem uma ligação muito forte com as crenças do colonizador que nos coloca como um grande rebanho a espera da salvação.
Nossa religião não é ferramenta e tampouco busca salvar ninguém, precisamos compreender
isso. Ela nos prepara e nos instrumentaliza para a construção de uma comunidade, o que
podemos entender como justiça social. Por outro lado, vemos que muitos de nós, ainda de forma muito infantil, estão mais interessados nos ebós e oferendas para prosperidade individual, nos vídeos que expõem e ridicularizam casas e lideranças, em saber se Xangô será mesmo o orixá regente do ano.
Que Xangô é esse que estamos cultuando que sabemos ser o orixá que cospe fogo ao ver a
injustiça, se ainda permitimos que a palavra, o verbo seja usado para fomentar discursos de ódio na chamada Casa do Povo, se permitimos ser usados sutilmente por quem quer se manter em privilégios nos atirando migalhas?
Quantos candidatos de denominação evangélica ou abertamente evangélicos nós vimos e
muitos dos ditos “nossos” apoiaram, e quantos foram os pais e mães que se colocando a serviço de uma coletividade foram ouvidos e apoiados? Quantos dias 21 de Janeiro e quantas mães Gilda veremos sofrer ataques, até que a mudança que os ancestros esperam que operemos aconteça?
O dia de hoje é um dia de despertar e honrar as lutas, dores e vitórias de cada pai e mãe que
passaram violências das quais nem imaginamos, para que cada um de nós e dos nossos
compreenda que dentro da nossa cultura e religiosidade não há caminho individual e que é
necessário para a nossa continuidade saber quem é de estar dentro e quem é de estar fora.
Os protestos, as caminhadas, as cartas e notas de repúdio são necessárias e importantes, mas
as ações propositivas só ocorrerão quando entendermos que makumba também se faz com
política, e esse é um verdadeiro ebó de garantia de direitos, de respeito e não tolerância, um
verdadeiro ebó coletivo.

Pai Sid
Pai Sid Soares é pai pequeno do CENSG - Centro Espírita Nossa Senhora da Guia em Volta Redonda RJ. Co-presidente da Comissão de Terreiros Mojuba, no Sul Fluminense que realiza um trabalho de fomento das políticas públicas para o povo de santo. [+ informações de Pai Sid]
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