Por: Mãe Kátia
16/09/2024 | 18:42
Na filosofia yorubá, o conceito de Ìwà ocupa um lugar central no entendimento do que é ser humano, da nossa relação com o sagrado e do propósito de nossa existência.
Ìwà, traduzido como "caráter" ou "essência," vai além de uma simples qualidade moral; ele representa o núcleo da personalidade e da conduta ética, sendo o verdadeiro reflexo do alinhamento entre o indivíduo e o divino.
No contexto espiritual e filosófico, o caráter de uma pessoa é visto como o aspecto mais importante de sua existência. Para os yorubás, o caráter é a base sobre a qual todas as realizações humanas são construídas.
Ìwà l’ẹwà, diz o provérbio, que significa "o caráter é a verdadeira beleza."
Isso implica que, independentemente de aparências externas ou realizações materiais, a verdadeira grandeza de uma pessoa reside em seu Ìwà — em sua capacidade de agir com retidão, paciência, bondade, e em estar em harmonia com as forças espirituais.
Os Orixás, divindades que representam forças naturais e energias específicas, servem como modelos arquetípicos de como devemos cultivar e expressar essas virtudes em nossas vidas. Cada Orixá possui características que refletem aspectos do Ìwà ideal.
Por exemplo, Oxalá é o símbolo de pureza, paciência e sabedoria, enquanto Ogum exemplifica a coragem, a determinação e a justiça. Cultuar e aprender com os Orixás é, portanto, uma forma de absorver suas qualidades e espelhar essas virtudes em nosso próprio caráter.
O desenvolvimento do Ìwà não é uma tarefa simples ou meramente individual. Ele está profundamente conectado ao conceito de Ori, que representa o nosso destino pessoal e a porção do divino dentro de nós.
Ori é a nossa "cabeça espiritual", nossa essência, e o desenvolvimento de um bom caráter é visto como uma forma de honrar e fortalecer nosso Ori. Assim, a jornada da vida é, de fato, uma busca constante por alinhamento entre nosso Ori e nosso Ìwà.
É a partir desse alinhamento que encontramos paz interior, equilíbrio e prosperidade espiritual.
Dessa maneira, as virtudes que devemos desenvolver estão diretamente ligadas à nossa capacidade de manter um caráter firme diante dos desafios da vida. Virtudes como a paciência, o autocontrole, a humildade e a resiliência são essenciais para o crescimento espiritual e para o cumprimento de nosso destino.
Ìwà é a base da ética e da moralidade; é o que determina a qualidade das nossas relações com os outros e com o universo. Sem um bom Ìwà, mesmo os dons ou talentos concedidos pelos Orixás podem ser mal utilizados ou perdidos.
Para desenvolver nosso Ìwà, é necessário abraçar um processo contínuo de autoconhecimento e autocorreção. Os yorubás nos ensinam que o caráter não é algo fixo, mas algo que pode e deve ser cultivado ao longo da vida. Assim como o universo está em constante transformação, o nosso Ìwà também deve ser lapidado, e essa lapidação se dá através das experiências que enfrentamos e de como respondemos a elas.
A cabaça da existência, a Igba Ìwà, é um símbolo dessa jornada. Ela contém os elementos que compõem a vida e, de modo figurado, representa o espaço onde nossas virtudes são armazenadas e cultivadas.
Dentro de nós, existe essa "cabaça" espiritual que deve ser constantemente preenchida com as virtudes necessárias para prosperar. E tal como a Igba Ìwà é dividida entre o espiritual e o físico, o desenvolvimento do Ìwà também precisa harmonizar nossas dimensões interna e externa: o que somos por dentro deve refletir-se em nossas ações externas.
Algumas virtudes são especialmente destacadas na filosofia yorubá como pilares do bom caráter:
Paciência: A capacidade de esperar o momento certo e agir com calma em situações de estresse. No contexto espiritual, isso reflete a aceitação do tempo divino e a compreensão de que todas as coisas têm seu tempo de acontecer.
Honra e Respeito: O respeito pelos outros, pela tradição e pelas forças superiores. Isso envolve viver com retidão e reconhecer o valor das nossas conexões comunitárias e espirituais.
Sabedoria: A busca por conhecimento e compreensão, tanto do mundo quanto de si mesmo. A sabedoria é a chave para tomar decisões que estão alinhadas com o nosso Ori e o bem maior.
Resiliência: A capacidade de se levantar após uma queda e enfrentar as adversidades da vida com força e dignidade. Na filosofia yorubá, essa virtude é essencial para superar as dificuldades e continuar no caminho do desenvolvimento espiritual.
Gratidão: A expressão de agradecimento, não apenas aos Orixás, mas também aos nossos ancestrais e a todas as forças que nos guiam. A gratidão é uma virtude que nos conecta ao fluxo de axé e mantém nosso Ìwà alinhado com as energias positivas.
A importância do Ìwà não se restringe à esfera espiritual. Ele afeta diretamente a maneira como conduzimos nossa vida cotidiana e as decisões que tomamos.
Uma pessoa com um bom caráter é capaz de criar harmonia em suas relações, promover a justiça em sua comunidade e honrar os compromissos que assumiu com os outros e consigo mesma.
Portanto, cultivar o que é bom, verdadeiro e belo em nós mesmos é um ato de reverência ao nosso Ori e um reconhecimento de que estamos todos interconectados dentro do grande ciclo da vida. Ao nutrirmos virtudes como a paciência, a resiliência e a sabedoria, contribuímos para a nossa própria evolução espiritual e para a construção de um mundo mais justo e equilibrado.
Desenvolver um bom Ìwà é nosso dever e nossa contribuição para o equilíbrio universal, uma forma de honrar as bênçãos do nosso Ori e caminhar em harmonia com o axé que permeia o Àiyé e o Òrun.
Àṣẹ!!
Mãe Kátia
Mãe Kátia é sacerdotisa dirigente do Templo Luz do Amor Divino, Ìyálórìṣà coroada na Umbanda e iniciada nos cultos afro-brasileiro e tradicional Yorubá. Além de ser a fundadora do Projeto Social Mensageiros do Amor, que já atendeu mais de 300 famílias proporcionando a melhoria da qualidade de vida em suas comunidades e levando dignidade, respeito e humanidade, a Ìyálórìṣá tem um grande histórico acadêmico: possui formação em psicanálise com ênfase na ciência da religião e nas relações do homem com o universo consciente e inconsciente e graduação em metafísica da saúde, cromosofia, cromologia e em cromoterapia. [+ informações de Mãe Kátia]
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